Sin clases

Aquela chamada da Chancelaria indonésia, no meio da tarde, mexeu comigo. O próprio Diretor da Academia Diplomática, um Embaixador a quem eu conhecia de um ou dois encontros sociais, convidava-me para dar aulas naquele prestigioso centro de ensino. De espanhol.

Encarregado de Negócios, ad interim, junto à Embaixada em Jacarta, no quase deslumbramento, eu quase disse sim, de imediato. Entretanto, não deixei de agradecer aquela gentileza a que responderia com a brevidade possível. Lembrara-me em tempo, contudo, que, por dever de ofício, deveria consultar o chefe, o Embaixador Guimarães, que se encontrava em gozo de férias no Brasil.

Como Jacarta está dez horas à frente do Brasil, a prudência recomendava-me aguardar um bom par de horas para fazer a chamada por pelo menos outro par de razões: não era de bom tom perturbar o desjejum de Sua Excelência e, menos ainda, demonstrar ansiedade de minha parte.

Nesse meio tempo, matutei sobre o inusitado daquele convite. Eu já tinha um passado de magistério, de pelo menos um lustro, porém para alunos do segundo grau nas periferias de Belo Horizonte. E, como línguas estrangeiras, ensinara os rudimentos de inglês e de francês. Não computava aí OSPB, português nem biologia, onde, em cada caso a experiência fora de um ano letivo, ou menos.

A verdade, todavia, é que me animei com a perspectiva de ser professor de uma academia diplomática, a despeito de ter um conhecimento apenas razoável da língua de Cervantes, decorrente mais de meus encontros casuais com colegas de Embaixadas de países hispânicos. Não me qualificava ainda para conjugar verbos irregulares ou para contar piadas, mas, passivamente, os entendia bem.

Lia pouco, é verdade, bem menos do que a autores nossos, mas nutria verdadeira fascinação e encorajamento ouvindo minha mulher Lina, chinesa-indonésia, pronunciar o mais puro espanhol de Castilla. Ela havia passado uns poucos meses na Espanha, trabalhara na Embaixada do Chile em Jacarta e tinha um ouvido excepcional para o entendimento e a aprendizagem de línguas estrangeiras.

Procurei por algum assunto de maior relevância para tratar com o Embaixador, para só logo em seguida, falar do convite, mas foi debalde. A pauta era mesmo magra. E entrei de chofre no meu objeto de interesse e, antes que passasse a uma ou outra ponderação, veio dele aquela enfática negativa. Achava que com várias Embaixadas de países hispânicos em Jacarta, cabia naturalmente a elas fornecerem um lente nativo e que, nesse contexto, uma aceitação de minha parte, poderia soar como esnobação ou descortesia para com los hermanos.

Sem nenhum gancho para obtemperar ao arrazoado de Sua Excelência, calei-me, mesmo achando um quezinho excessivos os seus cuidados. Afinal em matéria de rudimentos, ninguém objetara a que eu lecionasse inglês e francês na cosmopolita Beagá...Demais, seria uma forma de praticar, reconhecer e valorizar o processo de integração sul-americana que então se iniciava com a criação do Mercosul.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/02/2018
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