Gigantesca fila de veículos para no sinal, pela fresta da janela semiaberta, ergue-se um polegar.
— Olá, como vai! Quanto tempo!
— Pois é. Desde a época na fábrica de celulose em Recife!
— Até mais vê-lo!
— Até mais, Valença!
A menina do sinal apressa-se. Esfrega a esponja, depois puxa a água com um pequeno rodo. Enxuga os vidros. A mão lhe estende uma moeda.
— Agradecida, seu Paulo.
O sinal abre.
Motoristas arrancam os veículos, simultaneamente. Vannini acena. Ravenala fica triste. Aquela menina deve ser da sua idade. Muitas crianças não estudam porque os mandarins guardam o dinheiro da Educação em seus bolsos rotos. Quebram limites e barreiras, vencem obstáculos, e burlam a Lei. Com asas negras sobrevoam, impunes, o abismo de seus crimes. Maquinam o mal e só o mal fazem ao semelhante
— Por que te glorias de tua malícia? Toquei flauta e não dançaste. Entoei lamentações e não bateste no peito — diz a voz de sua consciência:
Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? Nem a guarda do Planalto, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te? Não te dás conta que os teus planos foram descobertos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste? Oh tempos, oh costumes!
Até quando, meu Deus! Até quando?...
As meninas do sinal vivem expostas aos perigos da rua. Cadê o dinheiro dos impostos que não foram carreados para a Educação, Saúde e Segurança Pública? Até quando, meu Deus os mandarins encherão seus bolsos com o dinheiro extorquido dos mais fracos? ‘Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo. ’ Fecham a cortina do palácio, e se regalam com os impostos pagos por aqueles que ardem em chamas. ‘Até quando, meu Deus?’
A palmatória do mundo é de ferro! A morte que antes voava sobre a periferia das grandes cidades, agora atinge também os bairros nobres. Famílias tidas como elite, perdem filhos para os traficantes e para as drogas. O crime já é praticado, e também sofrido pelo jovem rico. Mas na classe pobre, ressurge em proporções desastrosamente assustadoras.
O sinal fecha. O tempo fecha. A alma inocente se abre em franco debate com o pai.
— Será que a menina do sinal tem casa?
— A maioria não tem casa pra morar. Nem o que comer. Bem dizia a Santa Madre: ‘As crianças são mais carentes de amor do que mesmo de pão.’
— E se ela for morar lá em casa?
— Ame-a assim mesmo como ela é, e está. Alguns pais não criaram seus filhos como desejavam ou nem mesmo os criaram.
O pomo de adão subiu e desceu em sua garganta. E Jeremias segurou as lágrimas com a mão.
***
Adalberto Lima, recorte de "Estrela que o vento soprou."
— Olá, como vai! Quanto tempo!
— Pois é. Desde a época na fábrica de celulose em Recife!
— Até mais vê-lo!
— Até mais, Valença!
A menina do sinal apressa-se. Esfrega a esponja, depois puxa a água com um pequeno rodo. Enxuga os vidros. A mão lhe estende uma moeda.
— Agradecida, seu Paulo.
O sinal abre.
Motoristas arrancam os veículos, simultaneamente. Vannini acena. Ravenala fica triste. Aquela menina deve ser da sua idade. Muitas crianças não estudam porque os mandarins guardam o dinheiro da Educação em seus bolsos rotos. Quebram limites e barreiras, vencem obstáculos, e burlam a Lei. Com asas negras sobrevoam, impunes, o abismo de seus crimes. Maquinam o mal e só o mal fazem ao semelhante
— Por que te glorias de tua malícia? Toquei flauta e não dançaste. Entoei lamentações e não bateste no peito — diz a voz de sua consciência:
Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? Nem a guarda do Planalto, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu perturbar-te? Não te dás conta que os teus planos foram descobertos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste? Oh tempos, oh costumes!
Até quando, meu Deus! Até quando?...
As meninas do sinal vivem expostas aos perigos da rua. Cadê o dinheiro dos impostos que não foram carreados para a Educação, Saúde e Segurança Pública? Até quando, meu Deus os mandarins encherão seus bolsos com o dinheiro extorquido dos mais fracos? ‘Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo. ’ Fecham a cortina do palácio, e se regalam com os impostos pagos por aqueles que ardem em chamas. ‘Até quando, meu Deus?’
A palmatória do mundo é de ferro! A morte que antes voava sobre a periferia das grandes cidades, agora atinge também os bairros nobres. Famílias tidas como elite, perdem filhos para os traficantes e para as drogas. O crime já é praticado, e também sofrido pelo jovem rico. Mas na classe pobre, ressurge em proporções desastrosamente assustadoras.
O sinal fecha. O tempo fecha. A alma inocente se abre em franco debate com o pai.
— Será que a menina do sinal tem casa?
— A maioria não tem casa pra morar. Nem o que comer. Bem dizia a Santa Madre: ‘As crianças são mais carentes de amor do que mesmo de pão.’
— E se ela for morar lá em casa?
— Ame-a assim mesmo como ela é, e está. Alguns pais não criaram seus filhos como desejavam ou nem mesmo os criaram.
O pomo de adão subiu e desceu em sua garganta. E Jeremias segurou as lágrimas com a mão.
***
Adalberto Lima, recorte de "Estrela que o vento soprou."