No velório do coronel Generoso, muita gente fungava, até homem chorava e tossia escorrendo água nos buracos das ventas.  Sinhá Corina mandou servir chá de jasmim e cravo-de-defunto, e logo, correu o boato que o finado era santo. Mas... Na missa de corpo presente, o padre não comentou o milagre. O povo é que dizia, que doente ficou curado de mal respiratório, resfriado, bronquite, reumatismo, e depressão, depois de tomar o chá no velório de Justino  Batista Generoso. A viúva vestiu luto de sete dias e  bebeu chá-de-jasmim, para controlar o baticum do coração, doído de paixão pelo marido. Orava pela salvação da alma dele visitando todo mês o  corpo santificado de Justino, dado  aos vermes no cemitério de Sete Passagens.
Apinajé  lastimava:  ‘Coronel Generoso era bom demais da conta!’ Chorava mais que a viúva, e com isso lançou por terra o mito: “Índio não chora.” Apinajé chorou. Em sua mente revivia a cena de quando atrasava o almoço dos cafuçus. A boia chegava fria... E os homens do tijupá reparavam nela o cabelo assanhado,  adornado de folha seca e sementes de mulungu.
— Repare o cabelo dela!
— Bota maldade não, sor!  Deve ser assim que índio se enfeita!
— É não! Mulher de índio tem muitos maridos. Qualquer índia, mesmo casada, se acoita com o pajé. Tem sangue de peru naquela pintainhada de perdiz.
— Mulo não gera filho. Onofre não é pai daqueles caburés — dizia outro.
— Deixa Onofre sonhar!...
— Sonhar o quê, cabeça de vento?
— Malquerença! Botando intimidade da mulher do vaqueiro com o patrão. Ninguém nunca viu nada.
— Essas ‘coisa’ num é feita pra ninguém ver... Repare as crias! A índia tem filho branco,  quase sarará. A mais nova é ruiva de beiço grosso. Vermelha que nem o patrão da mãe. Nariz curto... achatado. Branquela.
— Onofre é uma égua, cuidando de cria alheia...
— Nem que não seja sangue de seu sangue. Criou. Toma feição.
João Velho pensou:  “Toma afeição. Feição é outra coisa parecida. Quem nunca ouviu dizer: Entre troncos e brenhas, ninguém sabe onde a lenha queima. A menina tem jeito e sabedoria demais para ser filha de vaqueiro.” Calou. Apagou todo pensamento que faz juízo daquilo que o olho não viu.
— Respeite o sentimento da família. O homem já morreu!
— Tô falando quando era vivo.
— Ela tem filho caburé de cabelo corrido. Que é próprio da mistura de negro com índio — interfere Xandão — Isso sinaliza que Onofre é o pai. E se não for, não nos cabe julgar.  Dizer que a índia é trabalhadeira, ninguém diz. Mas ficar de olho no caminho para ver se ela já vem trazendo a boia todo mundo faz. Apressou-se Pai Luís que não perdia a oportunidade de cobrar mais rendimento dos enxadeiros.
— Todo mundo é muita gente... Eu nunca reparei os modo dela com o patrão! Só tenho olho pra minha enxada e a leira.
— Tá na hora de pegar no pesado!
— Nem amolei minha ferramenta, ainda!
— A gente a mola enxada e machado é na hora do descanso.
— Pai Luís tá certo! Temos que mostrar serviço — Acentuou Antônio Cardoso, enquanto se dirigia à queimada nova.
Já em pé, Gaudêncio bateu com o olho da enxada num pedra. Raivoso.
— Apinajé! Nome besta sor. Nunca vi este nome!...
— Acaso tinha visto índio antes, nessa sua vida besta de enxadeiro?
— Nem nunca!
— Ontonce! 
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Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."