I
 
A vida é feita de retalhos, pequenos recortes da história,
alguns tocados pelo vento voam,  outros...
povoam os anéis da memória.
 
 
A lenda se constrói com retalhos da história, e já não se sabe mais onde termina uma e começa a outra. Muitas vezes,  a ficção avança os muros da realidade ou a realidade penetra o labirinto da ficção.  A vida, enfim, consiste em desprender-se, conquistar espaço, criar mundos em torno de si mesmo e viver a fantasia em cada realidade ou a realidade em cada fantasia. Durante a incursão a mundos desconhecidos, Ravenala  garimpou estrelas, caçou luas, viveu sóis que queimam estradas de Rhoden, e de outros tantos talentos da literatura virtual. Visitou cenários que vão da captura de uma índia escondida no silêncio da mata, à inquietação de pessoas viajando como formigas à procura de forragens. Rompeu a barreira entre a realidade e a ficção. E sem despedir-se, sem adeus, nem até breve, pesquisou do Rio de Janeiro ao Piauí. Seguiu os rastros  de sua história. Narrou o que viu e ouviu  com a simplicidade dos contos de fada. Temeu  atropelar o aspecto temporal, quando tratou  das folias,  na fazenda Campo Grande. Achava que  não podia falar ainda de ‘Guaiano em oitava’ porque Zé Coco só gravara aquela música no final dos anos oitenta. Tunico Oliveira, no entanto,  assegurou-lhe  de que muito antes de gravar; o músico do Riachão, tocava seu guaiano nas fazendas aonde trabalhava fazendo carros-de-boi. Ela repassou o álbum de família. Penetrou  na história de seus antepassados e  abriu portas para o futuro. Seus personagens empreendem viagens a  mundos imaginários, e reais. Vivem experiências de náufragos, que não querem ser resgatados e gozam de um amor paradisíaco, como nos tempos de nossos primeiros pais.  Empreendem viagens a  mundos reais e  imaginários. Aportam ilhas desertas, e aplicam, na prática, os desafios de sobrevivência na selva.
 A obra nasce da compilação de textos publicados em sites de Literatura, a partir do ano 2007. Nela, minúsculas  partículas da realidade, surgem diluídas nas cenas e cenários que se dão no campo, na cidade e numa ilha deserta. A caneta dança como varinha de condão em mãos de fada. Com a caneta na mão da neta,  Generoso conta a história de sua vida. O livro acontece, inicialmente, na  fazenda Campo Grande. Mas, com a morte do fazendeiro, a fazenda torna-se campo de batalha perdida. Com efeito, a família migra para a cidade, e se estabelece no Rio de Janeiro, onde Corina, a jovem viúva, assume, sozinha, a missão de criar e educar sua prole. Ravenala  cresce ouvindo, maravilhada, a história da família. E, impulsionada por seu espírito aventureiro, a menina neta de fazendeiro viaja no mundo encantado de sua imaginação; repassa as páginas do álbum de família e penetra  na história de seus antepassados. Viaja no fantástico mundo do desconhecido, vê vales e cidades que não existem, alma e poesia gravadas na bandeira do  poeta: ‘Paisagem espiritualizada, musgo aveludado  na base da colina e nas raízes das orquídeas.’ Não teve desgosto algum. Encolheu as pernas. Dobrou-se na barriga da mãe como se fosse  ‘o  Mozart da poesia’. Tinha doze anos, e  se lembra de quase todas as estórias que sua avó contava, quando passava a mão na cabeça da netinha e dizia: ‘Durma, Princesa, durma... Vou retirar os monstros dos teus olhos. Pode dormir agora. Eles já se foram!’ 
Dormia, não sem antes reclamar:
—Eles estão voltando, vovó! Os monstros estão em meus olhos e não me deixam dormir. Conte uma estória!...
— Posso contar outra vez ‘A Lagoa Encantada?’
— Não, aquela não! Tenho medo da carimbamba.
— Já contei todas  que sabia!
— Pode ser inventada, vovó! pode ser inventada.
— Todas as estórias são inventadas, minha filha!

— Então invente uma!

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Adalberto Lima, capítulo de apresentação de Estrela que o vento soprou.