O suco

Com sua cópia do roteiro dobrada ao meio sobre a mesa, lápis rombudo na mão, Pietro começou a repassar os objetos na cena do terceiro ato.

- Esta mesa, à qual estamos sentados, coberta por uma toalha xadrez branca e vermelha, com uma fruteira de arame contendo laranjas e maçãs...

- Frutas de verdade ou de cera?

Ele sublinhou a palavra "frutas" na cópia impressa.

- Giovanni acabou de chegar da guerra - ponderou. - Então, frutas de verdade.

- Por quê?

- Porque esta é a vida real, bambina, não mais um sonho... lembra no segundo ato, como ele ansiava estar de volta à casa e rever Fiammetta?

- Sim...

- Então, cá está ele, sentado à mesa com ela, como eu estou com você agora. E há uma jarra branca, vidrada, e dois copos de vidro, com suco pela metade...

- Que tipo de suco?

Pietro começou a batucar com o lápis na mesa, olhando para os assentos da plateia vazia e escura.

- Então ele está de volta e Fiammetta serve um suco. Que suco seria? O roteiro não diz.

- Suco de laranja - sugeri.

- Por quê, bambina?

- Porque é o que está em cima da mesa... laranjas. E além do mais, a cor vai se destacar.

- Que seja então - concordou ele. - Mas, nada de suco natural. Vamos usar refresco em pó.

- Mas não era para ser uma experiência real? - Protestei.

Pietro riu.

- Não precisa ser tão real assim. Esse suco vai ficar horas em cena. Não queremos que nenhum ator seja internado com problemas gástricos, não é?

Tive que concordar com ele.

- [12-07-2017]