Fruta Seca
Ela tinha medo da altura, da imensidão, de tentar se soltar do galho e se esborrachar lá embaixo. Mas era questão de tempo até começar a se desprender, por conta do amadurecimento.
Uns escolhem a liberdade em detrimento da segurança, quando ainda jovens e ávidos por aventuras. Esses caem ainda verdes e, então, como possuem certa resistência, se recuperam da queda. Eles não vêem a hora de rolar e rolar e gozar no prazer pelo movimento, e por fim, escorregam pelas entranhas da terra até chegar à profundidade suficiente e ao momento de fincar suas raízes. Por outro lado, há os que resistem e se agarram à árvore-mãe. Têm a impressão que nada será igual depois que se desligarem. Mesmo para esses últimos, haverá o tempo em que, inevitavelmente, terão que partir. Talvez desconfiem que, lá fora, mesmo cercados por seus iguais, serão sozinhos e não existirá algo comparável àquela árvore. Essa era a sua escolha. Ela queria aguardar mais um pouco, ademais fora ensinada que havia a mão amiga, que as colhia e as ajudava com o desligamento.
Para quem fosse levado pela mão, havia promessas de extravagâncias e novos reinos. Seria embalada por novos ares, enquanto cuidada tal qual a mãe fazia. E, ao mesmo tempo, teria certa liberdade para desfrutar do mundo. Quando se cansasse dessa vida de novidades, ansiaria pelo momento de ser deitada ao chão, no qual deixaria suas sementes. Mas havia um preço que desconhecia. Ninguém havia voltado para contar toda a história sobre aquelas mãos, suas mães substitutas. Ou, talvez, quem soubesse não seria tolo o suficiente para se colocar em risco, contra toda a tradição.
O destino daqueles conduzidos pelas mãos era, usualmente, um local estressante e quente. Mas não quente ao extremo, para não apressar o declínio da fruta. Elas permaneceriam nessa condição e até se habituariam. Achariam que era a coisa mais normal, fariam planos naquela nova morada, festejariam, se entitulariam ameixas das terras quentes, concorreriam umas com as outras para serem as primeiras a satisfazer a mão amiga, quando retornasse. E, então, chegaria o tempo que sentiriam a pele a dobrar sobre si mesma. Terminariam como ameixas secas, apertadas num recipiente, numa gosma adocicada, de onde quase não se enxergaria o lado de fora.
Mais tarde, era bem possível que ela rezasse para ser esquecida num prato, na mesa, enquanto veria outras a serem devoradas numa santa efeméride. Quem sabe, se suplicasse por um desígnio superior, se o prato escorregasse e se estilhaçasse, por conta de um eventual deslize. E assim se esconderia, suja, num canto do piso, até ser descoberta e varrida para fora, em direção ao quintal, onde alcançaria a terra. E, assim, finalmente, tentaria tudo outra vez.