Pito de Vovó
A vovó paterna era Inhana, nascida provavelmente em 1890, casada aos 14. Onze filhos, dos quais sete vingaram. Quando criança o pai, um Lourenço, dito Língua-de-Fogo, proibiu-a de ir á escola para que não viesse a perder tempo escrevendo cartas para namorados. E o casamento chegou sem namoro mesmo. Quiçá com choro, a esmo. O genro de Lourenço, Velusiano, um seleiro curvelano, era um homem de 46 anos e quatro viuvezes seguidas. Todas por complicações de parto.
Inhana, que de pia era Ana, teve que trepar muito para sustentar o casamento na fase inicial. Velusiano, cheio de mimos, fizera-lhe um banquinho para melhor acesso à trempe do fogão.
E tudo se encadeou na vida de Inhana, a filharada, a atenção diuturna ao quesito alimentação, os cuidados com a horta, as galinhas, as mudanças, da Onça para o Brumado em 1924 e do Brumado para Pitangui em 1958, e de Pitangui para a Eternidade em 1972.
Nesse sinuoso curso, Inhana não chegou a se alfabetizar e tampouco guardar mágoa do austero progenitor. Por pragmatismo, aprendeu a contar e a reconhecer os valores das notas de acordo com sua coloração, e embora de hábito, bicudos, eram tempos de maior estabilidade, ou paradeza mesmo do sistema monetário.
Uma confissão tardia de vovó, foi de que gostava mesmo era de pitar. E, sem ânimo para alardear seu recôndito desejo junto aos filhos, valia-se dum cipozinho que dava na cerca e que quando ressecado, era oco, e se assemelhava a um cigarrinho. E nos exibia, discretamente, suas habilidades no tratar e no tragar, soltando uma fumacinha leve, fininha, pelas narinas.
Pito mesmo, raramente nos passava. Era a cordura em pessoa. E até na lembrança, que se esfumaça, como que a embaçar os olhos.