O Café
Num bairro frequentado por boêmios, Iran Malvlias, um profundo conhecedor de cafés e empresário de sucesso, pediu um expresso num bar de esquina. O dono do lugar, que sabia da fama do cliente, exigiu agilidade e um atendimento preferencial. Eduardo, o funcionário encarregado desta missão, teve que desenterrar os melhores biscoitos do armário, encontrar os pequenos copos de cristal e, conforme as palavras do patrão, fazer aquele café no capricho. Limpou a borra anterior, acionou a máquina e acompanhou com muita atenção o líquido a escorrer para dentro da xícara. Tentou fazer algum desenho na espuma, mas não deu certo, mesmo assim, fez o que era possível para ser especial. Providenciou uma bandeja limpa e seguiu a equilibrar a xícara, um copinho de água com gás, um açucareiro, alguns sachês de adoçante e os biscoitos. Serviu o café ao cliente e não esqueceu de avisar que estava à disposição.
Era duro aparentar o que não era. Hora ou outra, chegava uma dessas personalidades ilustres e tinha que atuar como se estivesse num restaurante granfino. Normalmente, só procurava evitar incômodos com os clientes. O dono já acenava para que ele circulasse ali ao redor do gente fina. O homem lia um jornal e demorava em iniciar o primeiro gole, apesar de toda a água já ter sido consumida. Subitamente, levou a xícara à boca, antes sentiu o aroma. Finalmente, experimentou. Levantou os olhos lentamente, como a lembrar de algo. Tomou o restante e chamou o garçom.
"Por favor, foi você que preparou este café?" Falou em tom grave.
"Sim, senhor. Algum problema?" Eduardo já temia a bronca do patrão.
"Não. Estava simplesmente divino." Respondeu ligeiramente afetado.
"O senhor deseja mais uma xícara?"
"Sim, por favor."
Iran tomou três expressos. Disse que voltaria e fez questão de cumprimentar o dono do estabelecimento. A partir de então, o local caiu no gosto da alta sociedade. Com os ganhos substanciais, foi possível reformar o bar. Ficou requintado. Por outro lado, Eduardo recebeu somente um pequeno aumento, mas passou a ficar encarregado apenas do café. Não demorou muito, recebeu o convite para trabalhar na cafeteria do senhor Iran. Aceitou prontamente. Logo, estaria acostumado com as mordomias e o salário proporcionados pelo novo emprego. Certo dia, no entanto, o novo chefe o pediu para que conversassem após o expediente. Mais tarde, então, sentaram-se sozinhos a uma mesa da cafeteria.
"Eduardo, o motivo dessa conversa é que seu café está diferente."
"Desculpe-me, senhor. Estou errando nas quantidades?"
"Não. Não é nada disso. Eu preciso que você volte a fazer seu café especial."
Ao perceber a dúvida no rosto do empregado, continuou.
"Eduardo, sabe o que mais as pessoas buscam?"
"Não."
"Elas buscam ser amadas. Amadas porque são especiais, únicas, indispensáveis."
"Quando vêm aqui e tomam um café Civeta, por exemplo, sabem que nem todos podem pagar por ele. Sentem-se únicas, assim como esse café."
"É como se a vida os amasse e os tivesse premiado."
"Mas você sabe porque o café Civeta é tão especial e tão caro?"
"Não, senhor."
"Porque é difícil de se conseguir. É um café cujos grãos são extraídos das fezes do civeta, uma doninha. Quando o animal o digere, suas bactérias e enzimas únicas o tornam um café de alta qualidade."
"A primeira vez que provei seu café, percebi as discretas nuances de hortelã. Havia ainda outros sabores que o tornavam delicioso. Depois, observei que você mastigava um chiclete. Quando falou comigo, comprovei minha desconfiança. Era também de hortelã. Assim, descobri seu toque especial, seu ingrediente único: sua saliva."
"Então, Eduardo. Faça seu café especial."