A Vingança do Galego

Acordou cinco minutos depois da hora. Saiu às pressas; cruzou a praça sem olhar pros lados e nem dizer "bom-dia" à ninguém, como era seu costume. E ainda por cima quase atropelou o ceguinho da esquina da padaria. Aliás, sequer respondeu ao cumprimento do pobre homem.

Adentrou a padaria e então pode confirmar o caos anunciado: seu banco do balcão estava ocupado. Mas como poderiam fazer aquilo com ele. Aquele banco era "dele". Todos os dias das seis e meia até oito e tantas ele estava ali, assiduamente. Era ali que ficava sabendo das novidades. Era naquele banco que todos o viam, todos os dias. Deveriam ter guardado seu lugar... dez minutinhos... E agora, o que pesariam dele? Ou pior! O que diriam dele?

Daquele banco tinha uma visão privilegiada da rua e do interior da loja. Sabia todos os gostos dos clientes, pois ali ouvia os pedidos e reclamações. As tentativas de trapaça por parte de clientes espertos... e até mesmo as cobranças de fornecedores, às vezes, malsucedidas.

Ficou de pé, num canto perto da entrada. Pensativo, Divagou... Longos anos o viram por ali. Lembrou o dia em que o "Português" o apelidara de Galego: Uma velada e irônica referência a sua origem africana. E até sorriu em lembrar da represália de ter apelidado aquele turco de "Português". Em ambos os casos os apelidos fixaram-se e tornaram-se famosos. Quase nem percebeu quando alguém indicou um outro banco para ele se acomodar. Não era "o banco" mas era até razoável; para um ilustre desconhecido, seria exatamente igual ao "seu", mas não pra ele. O primeiro estava ali cinco anos a mais que o outro. Meneou a cabeça num sinal de recusa. Mas acabou cedendo.

Sentou-se meio desconfiado Tudo já se ajeitava até que surgiu Miguelzinho, o "pinguço". Logo foi gritando: "Que houve? Perdeu o trono?". Foi a gota d'água. Quando o "Português" lhe trouxe o pãozinho com manteiga fez sinal negativo com a mão. "Tô pensando ainda... se vou tomar meu café aqui...". "Deixa de ser besta homem. Banco é banco; tudo igual!", respondeu o comerciante já intuindo o motivo do rancor... "Ah é? Pois fique sabendo que, por essa medida, padaria é padaria, tudo é igual... Então acho que vou la pra padaria do seu Manoel... Aliás, do português de verdade..."

Dito isso saiu de supetão e foi pra casa. Nunca mais voltou àquela padaria. Dizem até que a nenhuma outra mais. Até deixou de comer pão. Seis meses depois concretizou sua vingança maior: Fundou a primeira associação de celíacos de sua cidade, mesmo sem nunca ter sofrido qualquer desconforto com o tal glúten