À Mesa
 
Do outro lado da mesa ele a observava em silêncio: a delicadeza ao segurar o garfo, a leveza com que cortava  a batata, a elegância ao pousar a faca e apoiar a base do punho. Ah, com que suavidade ela levava à boca as pequenas porções que mastigava vagarosamente! Modos tão calmos, tão refinados! Não tinha dúvidas: ela seguia à risca as trinta e três mastigações recomendadas por especialistas.

 E os olhos? Ah, os olhos dela, alheios ao mundo, quando o mundo era aquele pequeno almoço,  servido religiosamente às onze... Tomado de súbita emoção ele migrou o foco
para a fotografia do casamento, sobre o balcão abaixo da janela.

O tempo tinha passado, mas ela mantinha à mesa o mesmo requinte que o fizera apaixonar-se quando a viu a almoçar no  Madri... Cinquenta anos! Embora nunca lhe tivesse confessado, cinquenta anos depois a  paixão por suas maneiras à mesa  ainda era a  mesma daquele longínquo 1940...

Ao último garfo de peixe, ela levantou bruscamente os olhos, atirou violentamente o talher contra a parede e à queima-roupa disparou numa ira incontida:

— Cinquenta anos! Não suporto mais! Ah, como eu odeio essa sua mania de me olhar à mesa!!!