COISA NÃO ACONTECIDA
Um urubu lá no alto faz um sobrevoo distraído; um rato passa rapidamente pelo muro. No quintal, duas galinhas, um galo e duas ovelhas dividem o reduzido espaço. Ouvem-se palmas.
No portão, um indivíduo de avental branco aguarda pacientemente ser atendido. Irritado, seu Irineu inquire o desconhecido através da janela entreaberta. Veterinário, ouve de volta. Foi a dona Eusébia, pensa o senhor de meia-idade. Bisbilhoteira inconveniente! Deve tá rindo por trás da cortina. Deve tá alisando o sabujo que finge dormir naquele colo desconfortável. Miserável.
Veterinário: houve uma denúncia anônima, temos que verificar, etc. Multa lavrada, animais recolhidos.
Seu Irineu, ar soturno, deixa-se na velha cadeira de balanço, último presente de Etelvina antes de ser atacada e mordida por um cão raivoso, cuja baba contaminada o pastor disse que saberia emular. Morreu fugindo de luz e água. Adormeceu sentado.
Lembra-se ou sonha, sabe-se lá, com visitas ao cemitério na esperança de que ela desse um uivo de além-túmulo.
Coisa não acontecida.