Magia magiar
Para alinhavar nossa vivência, papai e mamãe costuravam nossas roupas, alternando o uso da velha Singer, a pedal, e os chuleios ou pregação de botão, feitos à mão. Isso quando a fábrica, 'FAPA', deixava, pois a cada um deles cobrava - à exceção dos domingos e
feriados - um mínimo de oito horas diárias, sem tolerância para qualquer atraso.
Dava-lhes, contudo e contado, a sensação da estabilidade no emprego com toda aquela amolação a troco do salário - que nada tinha de mensalão. Magro consolo. Mas recusá-lo, seria tolo?
E à volta deles nos aninhávamos, apanhando retalhinhos e carretéis vazios no vermelhão da sala. Desde que feitas as obrigações, que iam da lavagem de vasilhas à passação da roupa.
Por distração ou por imemória, fico sem lembrar como era a manga raglã. Ou raglan, que "maman" aprendera a fazer em seu curso de corte centesimal. Mas me lembro, entretanto e entre tantos, da camisa húngara. Justamente, a que me fez era da cor do vinho tinto de Balaton, cujos botões se pregavam na horizontal, fechando aquela abertura peitoral, também horizontal.
Será que meninos de hoje teriam coragem de ir pra rua com uma camisa daquelas? Eu e o mano Beu tivemos. Até com um certo orgulho. Os tempos eram de Puskas, ainda não de Pelé. Magia magiar, sem embrulho.