O Lava-Pés
Fora da Velha Serrana o lava-pés é tão-somente aquela cerimônia das quintas-feiras santas quando já ciente - mas não impaciente - com o que o aguarda, o Mestre, num supremo ato de humildade e de assepsia, lava os empoeirados pés de seus discípulos antes da que seria a sua última ceia.
Mas na Serrana Velha de guerra, não é só o ato que conta, o lava-pés é permananente, é corrente, já desde os primórdios de sua fundação, quando lá se descobriu o ouro - e se fincou o marco daquele ano da graça de 1715. Quase três séculos agora. Pois não é que o córrego original, onde se garimpava de sol a sol, e do precioso metal se fazia a lavagem ganhou a denominação de Lava-pés?
E em torno daquela frenética atividade o povoado foi-se expandindo, ainda que constrangido pelas serranias, pelo impaludismo, pela violência gerada pela ganância e pela implacabilidade dos cobradores dos quintos.
Quanta ilusão de fortuna por lá se esvaiu e hoje essa serena e bucólica torrente, fria como água de mina, já sem se ouvir o planger dos sinos, será que não dá nem peixe, só girinos, meninos?