“As pessoas mudam…”

Disse-me ela, um dia, com um misto de tristeza e de alegria no olhar, ao mesmo tempo que olhava para o rio que, abaixo de nós, dividia a nossa cidade.

Tentei responder, mas não tive a coragem pois percebi que aquela era o momento das suas palavras, e ouvi-las em silêncio seria a minha forma de responder

“-Se até os rios mudam ao longo da sua vida, alterando por diversas vezes o seu caminho para o mar, porque é que nós, meros humanos, haveríamos de ser diferentes?”

E sem que me atrevesse a interrompe-la, ela continuou, com um tom lúgubre na voz, bem diferente daquele que já conhecera, um tom bem mais alegre.

Sem dúvida que ela mudara, muito, demasiado…

“Os rios, que viram os nossos antepassados nascer, viverem e morrerem, aqui bem perto, mas noutro lugar…O mesmo rio, mas outros locais, outras margens onde os nossos avôs e bisavôs se banharam, até que tudo mudou e nós e os nossos pais conhecemos o mesmo rio mas completamente diferente…”

Parou de falar e olhou novamente para o rio, tentando ver o dos seus antepassados e não o nosso, porque estava farta daquela paisagem, precisava de outra, precisava de mudar, era isso ou o estagnar…

“Os rios, que mudando o seu percurso continuam a ser os mesmos rios, diferentes mas os mesmos na sua essência, não mudando por mero capricho mar apenas porque na sua rota apareceram obstáculos intransponíveis, por isso, ou paravam, estagnando e com o tempo evaporando o lago que se formaria, ou arranjavam outros locais por onde pudessem continuar o seu percurso para o mar.

Os rios, uma metáfora perfeita da condição humana, daquilo que somos, nunca deixamos de ser, porque mudamos, às vezes mais do que desejamos, mas continuamos para onde pretendemos, não mudamos o rumo, e assim tal como os rios continuamos os mesmos apesar de tantas mudanças…

Mudamos porque essa é uma forma de nos adaptarmos, mudamos porque na adaptação acabamos por evoluir, transformando-nos sem dúvida, mas tornamo-nos melhor pessoas, deixando pessoas que são as nossas margens, para na mudança encontrarmos outras pessoas, outras margens, até que na altura em que não mudarmos mais, não evoluirmos, tal como o rio teremos chegado ao nosso mar, o nosso destino final…”

Mal ela acabou de proferir estas palavras, os seus olhos por fim deixaram de reter as lágrimas que ela tinha presas dentro e fora de si, olhando para mim a chorar triste, mas com o mais belo sorriso que tive a oportunidade de ver no seu rosto, um sorriso de paz, de libertação…

Percebi que eu era uma margem que ela tinha de deixar, eu era um caminho por onde ela deixaria de andar, pois apesar de gostar de mim o caminho era agreste demais, o caminho ameaçava secar as suas águas, na metáfora invertida que marcou a nossa última troca de palavras, marcou a sua despedida…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 31/08/2014
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