Conseguimos por fim sermos maiores do que Tudo…

(uma espécie de vaga resposta às questões que levantei no conto d"Dizem os cientistas…" mas que pode ser lido de forma independente, isto é, sem ler o conto a que fiz referência...)

Um dia eventualmente daqui a mil anos…eventualmente…ou talvez mais cedo…eventualmente…

E houve então um dia que deixei de fazer planos para o futuro porque tinha descoberto que o futuro já estava a acontecer…

Nesse dia apercebemo-nos por fim no que nos tínhamos transformado, sem saber se gostávamos de tal, se nos deveríamos sentirmo-nos feliz ou se simplesmente os seres mais infelizes de todos apesar da aparente maravilha de tudo o que havíamos conquistado…

Uma lei antiga postulou que para cada estado há sempre um estado oposto, uma espécie de contraponto…assim o mal tem sempre o bem e vice versa, poucas coisas no universo possuem singularidade, andam sempre a pares, e por isso quando tudo alcançámos ficámos sem saber se o outro lado de todas essas realizações valiam essas realizações e tudo o que elas tinham custado a alcançar…

E por fim tínhamos conseguido…

Conseguimos, finalmente conseguimos…

Depois de termos brincado aos deuses e feito do nada homens em laboratório mais perfeitos do que a criação original, salvando por ventura a espécie, porque ao reinventar a espécie renovámos assim a sua data de validade que todas as coisas no universo possuem, depois de assim termos prolongado de forma quase indefinida a esperança média de vida com qualidade dessa mesma vida do homem, depois de termos criado climas para planetas hostis e assim os termos tornado habitáveis ao homem, aumentando ainda mais as possibilidades de subsistência do homem porque lhe proporcionámos inúmeros locais por onde pudesse ir e proliferar, depois de termos dobrado o espaço e o tempo e assim provarmos que todas as leis universais são alteráveis e questionáveis, tendo com tal conquistado o acesso a todo o universo e não somente àquele que a nossa tecnologia permitiria alcançar, bem como outras possibilidades infinitas, pois ao provarmos a caducidade de postulados antigos da ciência o tempo de todo o tempo passou a ser também mais uma estrada por onde a humanidade poderia circular, depois de termos criado fontes de energia e de calor quase tão potentes como o sol, algum tempo depois de termos domado a energia dos sóis, demos a garantia aos novos locais onde estavam humanos que a energia seria eterna e constante, que a poderiam usar de forma quase infinita, aumentando ainda mais as suas já altas possibilidades de sobrevivência, e por fim quando alcançámos e superámos os maiores desafios de todos os tempos que barravam a humanidade, demos conta que tínhamos por fim chegado ao topo da evolução humana em todos os sentidos pois conseguíramos por fim domar e dominar todos os conceitos, sendo que a maior de todas as realizações foi provarmos em termos científicos a existência ou a necessidade de existência de um Deus, ao mesmo tempo em que conseguimos colocar numa fórmula matemática a necessidade de dar um beijo, a necessidade de fazer amor, a intensidade de tal, o sentimento de tal, e com tal conseguimos prever em termos matemáticos quando precisamos ou não de tal…a espontaneidade, a incerteza sensorial e biológica passaram a fazer parte de um laboratório onde poderiam ser controladas totalmente, onde até poderiam ser programadas para acontecer quando nos dava jeito, deixando a natureza de nos influenciar com o seu relógio natural…

Conseguimos por fim e em suma resumir um sentimento a uma equação, a mais um elemento científico, conseguimos tirar os sentimentos, os sentires do seu campo aleatório e restringir tal a meros conceitos, a meras variáveis meramente controláveis onde devidamente analisadas e controlados já não podem ocasionar estragos à humanidade quando se deixam demasiado à solta…Com tal passáramos a sermos nós e apenas nós os senhores e gestores das nossas existências ou se quiserem dos nossos destinos…

E então, aqueles que entre nós tendiam a fugir do quadrado da previsibilidade, por sabermos como funcionava, fizemos com que se inserissem nesse quadrado da norma…Com tal conseguimos pois que os poetas sejam apenas hoje meros funcionários e não agentes livres do pensamento deixados perigosamente à solta, que a categoria “sonhadores” seja apenas mais um grau na categoria desses poetas, meros funcionários administrativos, de horários fixos, fora dos quais nada fazem a não ser dedicaram-se à vida que todas as pessoas têm, vida de reprodução de gestos, atitudes e hábitos e não à incómoda criação destes…Já com a categorização fria, racional e final de Deus, pura e simplesmente que extinguimos a profissão de homens espirituais…substituindo esta por uma outra categoria da psicologia ou da psiquiatria, e quando alguém diz que precisa de um Deus, da espiritualidade, dá-se a droga certa, ou se tal continuar interna-se compulsivamente a pessoa em causa por tal constituir um caso de perigosa demência, porque ninguém precisa de nada que não exista…e Deus hoje nada mais é do que uma fórmula matemática de que ninguém precisa realmente para viver…

Conseguimos pois resumir tudo a conceitos científicos, tudo a meras equações matemáticas, conseguimos por fim colocar um fim aos sentimentos aleatórios e ilógicos…e letalmente muito perigosos por isso…Conseguimos por fim, colocar um ponto final nas ideologias utópicas, nos sonhos sem sentido, porque as ideologias só possuem lógica se tiverem uma aplicação lógica e produtiva, porque os sonhos só devem existir para nos fazer perspectivar algo que iremos certamente alcançar…Um ser só deve sonhar pois com algo que possa efectivamente alcançar, tocar, senão o conseguir é pura perca de tempo, é pura inutilidade…A ideia de um Deus como elemento sensitivo é estúpida, a ideia de uma espiritualidade como elemento de ausência, de escape é de tal ordem absurda que a erradicámos ao justificar a injustificação, a irracionalidade de tal…

Hoje só existe o que tem sentido em termos globais, em termos científicos, o contrario pura e simplesmente não existe…

Sim…

Conseguimos por fim provar a existência de Deus, a necessidade da sua existência numa mera fórmula que ocupa pouco mais de uma meia página de um livro, apenas mais um livro perdido entre milhões de tantos outros livros…e assim basta um cataclismo físico para esses registos serem destruídos e com eles Deus, dado Deus ser apenas um mero registo humano…

E que conseguimos com isso, o que conseguimos ao termos racionalizado tudo, a tudo termos dado uma lógica, uma razão, um sentido, o que conseguimos realmente com estas fantásticas realizações…?

Conseguimos ver o seu contraponto, o seu duplo que a mesma física, que os mesmos cientistas que criaram todo este sistema de racionalidade indicam existir…:

Conseguimos perder o que restava da nossa humanidade…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 25/11/2011
Código do texto: T3355097
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