Vocês sabem
Não era infeliz o menino; era triste. A tristeza, vocês sabem, é mais profunda, muito mais, muitíssimo mais profunda que a infelicidade. A infelicidade mora no sangue e, ao percorrer o corpo, invade os órgãos e por eles é filtrada e eliminada. A tristeza habita o coração, profana seus músculos e, à maneira de um câncer, nele se instala, isolada, incomunicável. Para removê-la, só através de cirurgia dolorosa onde não podem faltar a compreensão e a ternura. Fora disso, só rasgando o coração pra arrancá-la. Mas, daí, a tristeza se degenera em infelicidade. A perda é total. Vocês sabem.
Infeliz é o menino que não venceu uma competição; triste, é aquele que dela não pôde participar. Infeliz fica o menino quando Papai Noel deixa no seu quarto um brinquedo comum; triste, é aquele a quem se revelou (apesar do presente) que Papai Noel não existe, pois, na verdade, roubaram-lhe impiedosamente o doce encanto de crer em alguém que gostava dele, mesmo que inexistente; o amor não carece de destinatário nem de remetente. Vocês sabem.
Infeliz é o menino que não tirou a almejada nota 10; triste, é o menino que “não tava nem aí” com a nota, pois, ao seu lado, o colega não tinha lápis e ele, podendo e se lembrando, não partiu o seu lápis em dois.
Há dois meninos: o que não alcança seus desejos, apesar de ter todos os meios para obtê-los, e aquele, a quem não se permitiu desejar. Vocês sabem: o primeiro é infeliz; o segundo, o triste. O infeliz exige privilégios; o triste espera por justiça.
Há anos, décadas atrás, conheci um menino que, pelo próprio tempo, eu não sei dizer se era infeliz ou triste, pois, como vocês sabem, a fronteira entre essas dores é tênue e frágil. Apenas a infelicidade tem remédio. A tristeza é exclusiva e intransferível e, na tentativa de curá-la, pode-se por tudo a perder. Guimarães Rosa vaticinou: “viver é muito perigoso”, mas, conviver com a tristeza é prefaciar a dor. A criança a que me refiro sobreviveu ao seu conteúdo de mágoas, e a tristeza –“imagivan”- continua à deriva dos sentimentos, perambulando pelos pórticos do coração, percorrendo dores, pisando restos de felicidade, inundando os olhos, parece que insensível ao mundo... Parece, apenas. Trata-se mais de cicatriz de todas as cruzes carregadas, que doía e não dói mais. Tal cicatriz preserva, encravada no meio do seu tecido fibroso, as tristezas acumuladas, em dormência e em prontidão: qualquer descuido é suficiente para que ela volte a doer com a mesma força de antes. Esse menino se foi. Penso, que era apenas infeliz... já que a tristeza ficou. Um ou outro, você sabe. Você o conhece, mesmo porque, esse menino, essa criança, pode ser você.
Você sabe!
Não era infeliz o menino; era triste. A tristeza, vocês sabem, é mais profunda, muito mais, muitíssimo mais profunda que a infelicidade. A infelicidade mora no sangue e, ao percorrer o corpo, invade os órgãos e por eles é filtrada e eliminada. A tristeza habita o coração, profana seus músculos e, à maneira de um câncer, nele se instala, isolada, incomunicável. Para removê-la, só através de cirurgia dolorosa onde não podem faltar a compreensão e a ternura. Fora disso, só rasgando o coração pra arrancá-la. Mas, daí, a tristeza se degenera em infelicidade. A perda é total. Vocês sabem.
Infeliz é o menino que não venceu uma competição; triste, é aquele que dela não pôde participar. Infeliz fica o menino quando Papai Noel deixa no seu quarto um brinquedo comum; triste, é aquele a quem se revelou (apesar do presente) que Papai Noel não existe, pois, na verdade, roubaram-lhe impiedosamente o doce encanto de crer em alguém que gostava dele, mesmo que inexistente; o amor não carece de destinatário nem de remetente. Vocês sabem.
Infeliz é o menino que não tirou a almejada nota 10; triste, é o menino que “não tava nem aí” com a nota, pois, ao seu lado, o colega não tinha lápis e ele, podendo e se lembrando, não partiu o seu lápis em dois.
Há dois meninos: o que não alcança seus desejos, apesar de ter todos os meios para obtê-los, e aquele, a quem não se permitiu desejar. Vocês sabem: o primeiro é infeliz; o segundo, o triste. O infeliz exige privilégios; o triste espera por justiça.
Há anos, décadas atrás, conheci um menino que, pelo próprio tempo, eu não sei dizer se era infeliz ou triste, pois, como vocês sabem, a fronteira entre essas dores é tênue e frágil. Apenas a infelicidade tem remédio. A tristeza é exclusiva e intransferível e, na tentativa de curá-la, pode-se por tudo a perder. Guimarães Rosa vaticinou: “viver é muito perigoso”, mas, conviver com a tristeza é prefaciar a dor. A criança a que me refiro sobreviveu ao seu conteúdo de mágoas, e a tristeza –“imagivan”- continua à deriva dos sentimentos, perambulando pelos pórticos do coração, percorrendo dores, pisando restos de felicidade, inundando os olhos, parece que insensível ao mundo... Parece, apenas. Trata-se mais de cicatriz de todas as cruzes carregadas, que doía e não dói mais. Tal cicatriz preserva, encravada no meio do seu tecido fibroso, as tristezas acumuladas, em dormência e em prontidão: qualquer descuido é suficiente para que ela volte a doer com a mesma força de antes. Esse menino se foi. Penso, que era apenas infeliz... já que a tristeza ficou. Um ou outro, você sabe. Você o conhece, mesmo porque, esse menino, essa criança, pode ser você.
Você sabe!