Tão Longe Tão Perto…(Versão 2011)

Somos meia dúzia de sombras com um vago aspecto humano, e no entanto somos o que resta desses humanos…

O aspecto decrépito não se deve a qualquer doença mas sim a um conjunto de factores que teriam sido perfeitamente evitados se tivessem dado ouvidos a algumas pessoas algures no nosso passado algo recente…

O nosso aspecto deve-se a um conjunto de incríveis privações alimentares e atmosféricas resultantes do colapso final da Terra, não o nosso local regional de origem, mas à Terra no seu todo como planeta…

Fomos atempadamente avisados que tal iria acontecer, que o planeta iria entrar em colapso, mas além dessa data ser distante e algo hipotética, quando confrontados com evidencias claras dessa hipótese que cada vez se tornava mais real, a nata dos cientistas assegurou que a ciência protegeria o homem, que seriam construídas estruturas de apoio, que novas culturas seriam feitas em estufas protegidas…o que seria adequado para alguns milhares de humanos durante algum tempo, mas totalmente inadequado para biliões durante o tempo necessário…

A salvação global estaria na saída do planeta à beira do colapso, na saída progressiva da espécie humana ao longo de várias gerações, pois já se tinha identificado um planeta distante com condições semelhantes às da Terra, mas tal implicava um investimento humano imenso a longo prazo, e a humanidade nunca se deu bem com investimentos a longo prazo e que outras gerações fossem usufruir…em termos tecnológicos a coisa era acessível, estudos teóricos avançados tinham sido feitos, só faltava transformar essas teorias em máquinas…Mas um certo medo por se ir viajar durante algumas centenas de anos pelo espaço profundo, o receio de diversas gerações irem nascer e morrer no espaço fez com que o homem preferisse ficar em terra ao invés de partir, afinal os cientistas e os políticos asseguraram que a tecnologia permitiria a vida na Terra…Ignorando que a Terra estava esgotada e que pura e simplesmente já não podia suportar por muito mais tempo as condições que os humanos precisavam para sobreviver…

E foi então que a espécie começou a colapsar, restando perto do fim uma minoria que se albergou nas tais cidades protegidas até que estas entraram também elas em colapso…

E foi então que a elite que conseguiu sobreviver teve que viver fora das cidades, teve que viver numa atmosfera envenenada e em campos estéreis…As resistências naturais de um punhado de humanos e o resto das reservas alimentares permitiram a sobrevivência mais algum tempo, mas quando verificámos que a comida tinha chegado ao fim constatámos de forma tardia que o fim da espécie seria uma questão de meses e não de anos, constatámos que os cientistas que tinham defendido a louca aventura da partida rumo a outra terra tinham afinal demasiada razão…

E é então que aqui nos encontramos…eu e uma dezena de sobreviventes de uma população imensa, é aqui que nos encontramos num planalto de uma montanha onde ainda há um pouco de ar rarefeito e minimamente respirável, mas onde não há nenhuma, absolutamente nenhuma comida…

Por uma ironia estúpida em que a vida é rara, neste planalto encontram-se potentes e ainda minimamente funcionais telescópios, construções às quais recorremos para nos protegermos do frio glaciar deste local, e enquanto o fazemos olhamos para a derradeira visão tida pelas potentes lentes, deixadas assim pelos cientistas que as operavam e que acabaram por morrer devido à rápida deterioração de todas as condições que um humano precisava para se manter, olhando para o céu, onde se vê o planeta escolhido para nos albergar mas que uma visão demasiado curta nos impediu de tal, nos impediu de lá chegar…

A tecnologia, o que resta dela é de tal ordem fantástica que conseguimos ver imensos pormenores desse planeta, as suas nuvens, os seus oceanos, os seus campos férteis, vazios…à espera que uma humanidade agora praticamente morta os ocupassem e assim se salvasse…

É assim que vendo o objecto hipotético da salvação que nunca chegou a ser me sinto ao mesmo tempo tão longe e tão perto dela…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 21/10/2011
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