ISMAEL E O MAL DO DONÁRIO
Doutor Donário era a referência no bairro: nome conhecido das famílias da comunidade e esperança para quaisquer males que atentassem contra a saúde da clientela, o povo da cercania e adjacências. A mãe, ao perceber grave o estado de seu filho, chama o médico, que a atende, prontamente. O Clínico Geral retoma a maleta, afasta-se do leito, ajusta o chapéu e se despede com curta, concisa e sentenciosa afirmação: "Desenganado!". Ela dissolve-se em lágrimas. Antes de dar início aos procedimentos fúnebres, um divino impulso move-a até a porta, de onde lança olhares que seriam uns dos últimos, prévios à despedida definitiva de seu rebento. Foi quando observou um leve, quase imperceptível movimento do dedo mínimo, o mindinho, do menino. Não hesitou: célere, dirigiu-se à cozinha, tomou uma panela, uma porção d'água e uma xícara rasa de alvos grãos. Preparou o arroz, do qual colheu a papa; mulher de fé, serviu-a ao infante enfermo. Milagre? Ismael cresceu, casou-se e, nas visitas a sua genitora, ouve o repetir do sucedido e a lembrança do nome de quem sequer se recorda e a quem mui provavelmente a vida já terá desenganado: Doutor Donário.