QUEM NÃO FALA...
Lá pelos idos de 1960, a Maria aceitou ir ao parque de diversões com o namorado. Era a primeira vez que sairiam juntos. Naquela época, o transporte coletivo ainda não era muito eficiente naquele bairro, portanto, a fim de economizar tempo, João resolveu ir a pé, uma vez que da casa da moça até o parque distava pouco mais de um quilômetro. O rapaz não entendeu resistência da jovem de não querer fazer o referido trajeto a pé, já que era uma boa oportunidade para conversarem longe dos familiares, antes de chegarem ao parque. Maria apresentou vários empecilhos, mas todos foram rebatidos pelo rapaz, que finalmente convenceu a namorada a fazer a caminhada.
O que João não sabia era que Maria não possuía um par de sapatos condizentes com o ambiente, e que precisava fazer fita diante das colegas, fato que a fez submeter-se a tomar emprestados os sapatos da madrasta, uma megera que infernizava a vida da moça.
O que ele também desconhecia é que os sapatos que a garota iria usar para o passeio tinham o tamanho dois números a menos do que os dela, fato que provocava um aperto desmedido nos pés da inditosa jovem.
Desconhecendo o problema, a caminhada parecia prazerosa para o jovem, que de mãos dadas com a sua querida, desfilava pelas ruas, e sempre procurava mostrar para a moça a vantagem de optarem por terem feito o passeio a pé, pois várias eram as pessoas que também tomaram a mesma decisão, fato que transformou as ruas que levavam ao parque, em verdadeiras passeatas de pessoas de todas as idades, como idosos, crianças, casais de namorados, etc.
Mas um fato chamava a atenção do moço: a sua namorada que resistiu tanto a fazer a caminhada, agora parecia muito satisfeita, já que caminhava devagar, e até fazendo algumas paradinhas, como que atrasando propositalmente a chegada ao parque, bem como se estivesse verdadeiramente usufruindo daquele maravilhoso desfile. Tanto é que todos os outros transeuntes ultrapassavam o casalzinho de namorados, parecendo até que ela não queria chegar ao seu destino. E aquele comportamento envaidecia o rapaz, que achava estar agradando a moça, vez que aquele passeio parecia mais romântico.
Finalmente, chegaram ao famoso parque de diversões, repleto de carrosséis, rodas gigantes e tantos outros brinquedos tão apreciados pela juventude da época. Mas, estranhamente, a garota não quis participar de nenhuma das brincadeiras. Queria, segundo ela, apenas observar as pessoas a transitarem pelo local, de preferência sentada em algum banquinho, calçada ou o que fosse. Quando perguntada se estava cansada pela pequena caminhada, respondia que não.
Na hora do retorno, novamente a resistência para ir a pé. O rapaz voltou a convencê-la de que seria muito difícil conseguirem o transporte, vez que muitas pessoas agora iriam querer voltar de ônibus, o que complicava muito mais. Dessa forma, iniciaram a caminhada de volta, agora mais lenta ainda, mais penosa, e sem dúvida muito mais dolorida para a garota, demorando o dobro do tempo da ida, mesmo assim o jovem namorado se mostrava satisfeito por achar que a moça estava andando com lentidão pelo fato de querer retardar a chegada em casa, pois ela não se dava muito bem com a madrasta e quanto mais tempo ficasse com ele e longe daquela cobra, melhor, assim pensava o futuro noivo.
Anos se passaram e somente depois de casados foi que a moça contou o motivo daquela lentidão: Como não tinha sapatos adequados para aquela noite, resolveu calçar os sapatos que a madrasta lhe emprestara, um par de número 33, usados no casamento dela. Só que o número de Maria era 35. Daí a dificuldade de caminhar normalmente! Assim, deram muitas gargalhadas juntos.
Quem não fala...
Campina Grande, PB, Out 2004.