SE É PORTO CADÊ O BARCO
Doces tempos eram aqueles
Quando meus ledos sonhos
Cavalgavam altos montes;
E acordava com a alegre cotovia
A cada nascer de novo dia.
Passar tardes soalheiras
À sombra das árvores da ribeira,
E a espreitar perdizes felizes
Em sua sesta costumeira,
A molhar o bico na água fresca
Que corria tagarela para o rio.
Pilhar a raposa matreira
Que não caía na minha ratoeira;
Ó raposa ladina,
Pra sorte tua e consumição minha.
Decifrar o enigma do Porto do Carro
Onde não havia barco nem batel
Era tarefa grande e insana
Para este maluquinho sacana.
Mãos à obra, certa voz a me ordenar,
E, assim, foi construído um batel
Para em turbulentas águas navegar.
Eu e o Carlos, companheiros atrevidos
Já de remos a remar
Desde o porto até ao Poço da Várzea,
Onde a água era mais profunda
Muito acima dos nossos umbigos;
E agora para inveja da malta,
Éramos ricos de classe alta.
Hoje do alto da minha insignificância
Recordo tempos de minha querida infância,
E me sinto tão pequeno!…
Mas para finalizar, eis a máxima
Feita pra gente grande:
-Para se sentir realizado,
O homem deve plantar uma árvore,
Plantei muitas, é facto
Ter um filho,
Orgulhosamente sou pai de três
Escrever um livro, escrevi vários
E construí um barco, sem ser construtor.
Não tive na vida honrarias ou glória
Mas para não dizer, só isso, só!?
Dos meus erros fiz um nó.
O resto é história.