Ovo – superfície de intensidades
Eu não tenho nenhuma poesia
É preciso mais que poesia
É preciso mais que um corpo atento
e uma cabeça em riste
É preciso mais que abstrações imperiosas
É preciso mais que uma carruagem real
com seus ornamentos dourados
É preciso mais que umas linhas curvas
É preciso mais que uma linha abstrata
É preciso mais que duas linhas concretas
e amarrar os cadarços do meu amigo
É preciso mais que UMA linha abstrata
Preciso mais que saber se é por-do-sol
ou nascer do sol
no horizonte de uma praia da. Bahia
Tudo que se afasta
Tudo que se move
Tudo que flutua
Imperceptível, inquieto
– Cale-se!
Tudo que fala ou que diz!
É preciso mais que falar
e fazer calar e ouvir
É preciso mais que estar sentado
numa cadeira
da cozinha
E saber onde se está
E ter os pés no chão e a cabeça leve
leve, muito solta, quase flutuando
agarrada a um tronco duro e móvel
Preciso mais que falar e comunicar
e espreitar pelos olhos, ver
se há alguém me vendo
saber
se há alguém presente
E silenciar no escuro e ceder
a uma nova desarticulação do corpo
que é uma nova articulação também
E esperar que escorregue
pelo vazio
um milhão de borboletas
até a base da coluna
E liberar e soltar o corpo
E sair à noite
E ler poesia
E beber whiskey
– adicione-se uns amigos.
Mais que figurar essa queda
Insinuar essa tortura, essa torção
como um bode que será sacrificado
e tem cordas pelo seu corpo
Mais que admitir que se está em franca
queda
e que se segura
Eu quero mais
Eu quero mais é abrir os olhos como as baratas
diante da luz
Eu quero mais
Eu quero mais é saltar pela janela
Eu quero mais, eu quero mais
Eu prometo que eu quero mais é
viver uma loucura
Uma coisa que eu ainda não sei o que é
e por isso estou fascinado – com desconfiança
estou encarando – em confusão
Enquanto procuro respostas táteis
através do duplo-vidro
o vidro que se multiplica
e que será quebrado
como
casquinhas de ovo secas
O que eu não
Porque eu ainda não
Porque eu ainda não sou
eu
Outra
coisa
ainda
está
por surgir
debaixo da costura.
debaixo da pele.
através dessa pele.
entre essa pele.
em contrato com um outro corpo
que não fala