Diálogo com a poesia "Viver é correr riscos" de Sêneca
Diálogo com a poesia “Viver é correr riscos” de Sêneca
Tenho pra mim, Sêneca, rir pode parecer tolo
No entanto, descobri tarde que deveria ter rido muito mais cedo
Deveria ter deixado pensarem era tolo
Tinha a ilusão pensariam era sábio também por não rir tanto
Quem sabe se tivesse rido mais não teria tido infarto
E precisado remendar o coração.
De fato, de igual forma, chorei pouco, nunca fui de chorar
E não foi por e nem para parecer sentimental
Foi por ser daqueles que choram para dentro sem verter lágrimas
Pelo rosto sofrido de adolescente, jovem e adulto
Estendi muitas vezes a mão, estoico, me envolvi muito
E, por vezes, sinto não ter estendido mais
Mas, veja bem, talvez não tenha podido ajudar tanto
Por não poucas vezes precisei de ajuda e de mãos estendidas,
Continuo necessitando delas.
Sim, filósofo, tentei muito e em muitas ocasiões esconder meus sentimentos
O meu verdadeiro eu não deveria ser mostrado nunca
Principalmente em relação ao amor e desejo por homens
Como poderia viver em uma pequena cidade do semiárido da Bahia
A partir do final dos anos setenta, nos anos oitenta e noventa do século vinte
Ser batista, protestante, cristão e ainda amar homens por paixão erótica?
E nem só isso, tive que esconder tantos outros sentimentos!
Não, romano, não poderia expor meus sentimentos nem mostrar meu verdadeiro eu.
Foi difícil, quase impossível mesmo, advogado, defender meus sonhos e ideias,
Muito menos diante da multidão, da multidão de sertanejos, de cristãos.
Não, não correria o risco de perder pessoas.
Correria o risco de me perder a mim mesmo.
De perder a minha vida, pois sim.
Sabe quantos da minha comunidade são mortos na Bahia e no Brasil?
Imagine nas últimas décadas do século XX!
Perder a vida significava mais, perder tudo, antes mesmo de ser morto.
Sim, escritor, amei muito, fui correspondido algumas vezes e algumas vezes não fui.
E vivo correndo mais sério risco de morrer desde a pré-adolescência
Já fui desenganado por médicos algumas vezes e cá estou ainda.
Pois não é, dramaturgo, confiei em muitas pessoas e em muitas ocasiões me decepcionei.
De tentar e fracassar ainda experiencio nesse exato momento esse amargo destino.
Pois sim, senhor rico, corri todos os riscos possíveis de correr
E não estou certo o maior perigo ser não arriscar nada
Penso se em algum momento eu talvez não tivesse arriscado tudo
Quem sabe teria assegurado alguma coisa para minha pobre vida.
Mas, sem nem ao menos ter lido seu conselho, arrisquei tudo
E posso dizer como o outro poeta: Confesso que vivi.
Então, diferente das pessoas que não correram nenhum risco,
Fiz muita coisa, no entanto, não tenho nada e não sou nada
Nesse mundo capitalista que você nem sabia que ocorreria.
Porque aqui, estadista, só é alguma coisa quem tem dinheiro.
Sim, conselheiro, sei que enfrentou pessoas difíceis
Os infortúnios, o exílio, as doenças e a pena de morte.
Seu conselho não é sem ter experimentado na pele,
Por isso é considerável. Meus respeitos!
Não consegui, Sêneca, evitar sofrimentos e desilusões
E também não conheço quem os tenha conseguido
Não sei se alcancei alguma coisa, porém senti muito
Muito amor, muito medo, muita vontade de me expressar,
Não sei se mudei alguma coisa, porém, me esforcei para mudar
Não sei se cresci, não sei mesmo, no entanto sei que amei e vivi.
Tenho dúvidas se sou livre, se não sou acorrentado por minhas atitudes
No entanto, pode ter certeza, nunca quis ser escravo de nada
Não sei, estoico, se nesse modo de vida capitalista que vivemos
Quem corre riscos é tão livre assim
Também não sei se alguém possa ser livre.
Só tenho a agradecer, filósofo,
Por essa poesia de consolação soube tão bem escrever
Lendo e dialogando sobre ela fiquei um pouco consolado das minhas dores.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 07 de outubro de 2023