DEPOIS...
Depois que a última aquarela se desbotar
Depois que ouvir o último trinar dos pássaros, rouco
desentoado
Depois que tudo não for mais,
Recalcado e de menos mais um pouco
Depois que tudo ruir
Depois que nada mais eclodir
Então vou deixar a velha casca
Romper o próprio exoesqueleto
Frágil
de vidro e teia
Ser de papel e tinta apenas
Quero adentrar a pedra
Abraçar com ímpeto a sequóia
Quero ser matéria escura
Quero ser e não posso
O que ser então?
Quero ser mais um
Sem multidão, sem nada que atrapalhe eu contemplar a cidade queimada
O último homem na terra
Andar em meio aos escombros
e vergalhões retorcidos
Dando poucos passos
mas cada rastro intersecciona com o infinito
Com o dito e o não dito
des-dito
ditado inteiro
A meia palavra castiga
Feito solidão de mundos vasttos e sombrios
Vejo a minha casca rompida
Dilacerada, mudada...
Serei eu ou serei outro?
Se sou outro quem sou eu?
Não sei por onde ando
Só sei que esses escombros nada mais lembram de mim
Piso no meu eu demolido
fingido
surrado e exposto
Ó céus!!
Que tanto clamo, baixai à terra e desentrave meu sono
Deitado abaixo dos meus pés
A sete palmos
(não de terra mas de visões, vida e estranha existência no profundo ser em que estou enterrado)
Vagam por baixo de mim meus restos
Navegando nesse perfil mar bisonho
Tudo aquilo que perdi ou que joguei, tentando aliviar o navio que naufragava, do seu mais inquieto e marinheiro tristonho
Depois do mar agitado
Depois do atol endurecido
indissolúvel
O que tem lá?
Só mais um mar fingido
Fingindo que é mar enquanto navego, só pra me ver afundar
Depois do vôo
Depois do sonho
do despertar medonho
E da triste despedida pro além mar
Já não sei mais o depois
muito menos o que tem lá
Só que que vou
Enquanto vejo um navio naufragando.
10/06/2022
11:43hrs