CLOACA
Meu poema é assim, intensamente triste, decepcionado.
Porque enxerga, caminhando dispersa, ofuscada multidão.
Em passos lentos, desalinhada, pelas vias da contramão.
Sem destino certo, peregrina, a pobre massa cansada.
Meu poema é assim, perplexo, fútil, mórbido, desolado.
Ignorado por todos os lados, recolhe-se inútil, subalterno.
Como a semente morta que não se planta no inverno.
Ou a espinha na garganta de um pobre ser engasgado.
Meu poema é assim, minúsculo, abstrato, ágil e fluente,
É matéria intrusa nas mentes podres dos seres tiranos.
Dilacera o véu da cabeça putrefata dos rudes insanos.
Igual agulha que suga o veneno da cabeça da serpente.
O meu poema caminha solitário pelas vias incertas.
É um intruso incorpóreo no meio da flácida multidão.
É uma câmera volátil que filma e grava a imaginação.
De um mundo composto de inúmeros atos insanos.
Meu poema observa e marca o País dos Andradas.
Reconhece cada sinal nas entranhas dos rombos.
Percebe os empurrões, fotografa e filma os tombos.
Que o tempo cultiva por mãos rudes, desvairadas.
Meu poema é tão pequeno, quase nada comporta.
É bem menor que os átomos invisíveis da matéria.
Reconhece o desvalor da substância fria e séria.
Assim, sobrevive vagando, afiada lâmina que corta.
Meu poema olha para as coisas contidas neste mundo.
E examina com rigor, as fezes podres e decompostas.
A massa é sempre assim, obsoleta, esquecida e morta.
Porque o tempo determina as atitudes a cada segundo.
Meu poema vê o vaivém dos organismos humanos,
Que sobrevivem à fúria, escorrem como bola, lá e cá.
Semelhantes as matérias putrefatas, soltas pelo ar.
Tais estruturas, multiformes escorrem pelos canos.
Meu poema enxerga o novelo fecal que se desenrola.
Na linha esticada, existem muitos nós, bastante fiapos.
E quando o tal de embrulho não se prolonga nos atos,
A linha se rompe. É a vida mínima que se descontrola.
Meu poema observa a purulenta massa, a fedentina.
No meio de si própria, a pestilência podre exalada.
E todas as massas inalam o mesmo odor, caladas,
Aspirando juntos o fedor coletivo que sai da latrina.
Antonio OnofreGF, em POEMAS AFLITOS,
Teresina-PI, Fevereiro de 2022.