Eu só queria escrever um poema.
Eu só queria escrever um poema,
Mas lirismo e técnica me faltavam;
Queria ter uma só idéia
Digna de ser eternizada em palavras,
Mas minhas muitas idéias colidiam,
Incompletas, apoéticas, desconexas...
Queria ser capaz de mergulhar
No poço ardente em que os signos se misturam,
E, do caos psíquico, pinçar-lhes os sentidos,
Dos sentidos depurar a quintessência,
E costurar pensamentos,
Compor novas texturas para a mente.
Queria ter a capacidade de encontrar,
No abismo escuro e frio, palavras dormentes,
E dar-lhes um choque sinestésico,
E fazê-las dançar, domá-las,
e comandá-las em marcha no circo dos sentimentos.
Mas as palavras têm personalidade própria
E comunicam mais do que o planejado,
E brilham mais do que o sol,
E usam as máscaras do devaneio, e fogem tresloucadas,
E adquirem muitos gostos,
E não obedecem ao rito da nossa pretensão.
Eu só queria escrever um poema
Para tocar a alma do leitor,
Expressar o que me vai no ego,
Compartilhar meu riso e minha dor
Era-me de todo impossível escrevê-lo,
Mas, sem sabê-lo, eu o fiz, ei-lo aqui, já não nego.