Intermitência
O poeta intermitente às vezes não escreve.
É poetíssimo em Junho, mas em Julho morre as ideias,
ou paixão, ou tempo, algo não nasce.
Vive, ri, lê, assiste um Bergman,
desce até lágrima mas não desce letra.
Preciso de grandes intermitências.
Sinto que espero os versos, como uma criança
espera aquele pezinho de feijão,
e só regando com muita insônia pra algo desabotoar.
Deve ser difícil ser poeta todo o tempo.
Já precisamos ser gente, ser suficiente,
precisamos de horas de sono,
de banho e alimento,
serotonina e Coca-Cola.
Priorizar tudo isso me apavora.
Talvez devesse colocar um alarme.
Meia-noite, a hora diária de ser poeta!
O alarme, guardião da rotina,
decretaria o fim da intermitência.
Mas sinto que o que nasceria,
pra mim, não seria
poesia.