Dois Erros
Entro pela porta fechada de casa;
nela existe outra porta, outra que se abre de forma errada, de forma
e sem forma.
Entro e há mais portas a se abrir. Cada membro da casa é uma porta em posição estéril, fecunda a palavra a hora que quiser. Os móveis são portas, a vassoura que varre os pés só não se abre para visitas - sujeira nova ao tapete se encarregará -. Ele, já no chão, se torna porta e réu do inferno, mas, como eu, sabido da inexistência do inferno, a fecho antes de abrir.
Sento a mesa, todos os transeuntes da cozinha param por um instante, contado no relógio repetitório das paredes, imediatamente se sentam junto a mim, mas onde estão seus pratos? Cada prato se come cru?
Ao terminada a comida, me levanto, e todos ainda sentados se olham - há portas entre os olhos -, mas por não saberem ver, continuam fechadas. Saio da cozinha, subo a escada que dará ao céu, seus degraus falsos e ranzinzas gritam por socorro, pedem desculpa por não serem mais subidos, por não serem mais alcançados. No segundo andar me deparo com a alteza, dona da casa, mãe das obstinações e certezas; paro, escuto seu andar em forma de rato, e na minha frente, estática sobre suas pernas, para, me absolve dos pecados e abre sua janela. Dentro dela existia toda força de sobrevivência de um animal extinto, morto, decapitado de vez pela palavra da morte: insignificância. Nem todos ali podiam notar que haviam todos no mesmo lugar, que todos poderiam morar sob o mesmo céu, se lavar da mesma água, namorar o mesmo sonho, se cobrir na mesma madrugada. Ainda de janela aberta, desço rápido escada a baixo, tropeço e de joelhos me fico, me exausto, sem saber para onde ir, as paredes não falam mais, as portas me impedem de ir adiante, o medo me ergue sobre a esfera remota das órbitas humanas e por lá me deito, ali mesmo, no chão, onde a porta do inferno permanece inexistente, porém vista, por todos da casa. Então, talvez, exista, longe de meus olhos, capaz e provável de um homem descobri-la, aberta num chão vazio, ao lado da cabeceira da morte, em frente a oração sobre um céu qualquer.