“Por de trás dos olhos”
“Por de trás dos olhos”
Roma,12/02/2019
Era uma amena tarde de inverno
Seguia minha estrada diária
Eu e minha fiel companheira de duas rodas,
pensando e ouvindo as vozes do vento
Sem perceber,
estava imerso em um sonho,
desses que se tem acordado
Cansado de enxergar com os mesmos olhos,
fui ao mundo encontrar a solução
Foi quando conheci um mestre,
que tinha o poder de trocar os olhos
Seu método era um tanto exótico,
misterioso
Sem dor física nem sangue
Ele tinha olhos de todos os jeitos,
que vinham de todo tipo de gente
Fiquei surpreso ao saber
que ele não cobrava por esse trabalho
Suas únicas condições eram:
Teria que provar ao menos três olhos,
e só então escolher um
Ao testar cada um deles,
teria que ver tudo de importante
que os olhos já haviam visto
Dores,
alegrias,
provações
A criação que os donos tiveram,
experiências marcantes e traumas
Toda luz e escuridão
Confesso que isso me assustou,
mas a vontade de ver com outros olhos era maior
Os primeiros olhos eram de uma mulher
Alguém que viveu em terras muito distantes da minha,
com outras culturas e crenças
Presa a costumes machistas e a uma religião sexista,
pude ver toda dor de alguém que vive uma vida sem sentido,
a não ser o de se submeter às vontades dos homens
e marido
Viveu em uma prisão sem muros
Em seu país,
a guerra era uma realidade constante,
e desde criança conviveu com a violência,
o que a seus olhos se tornou algo normal
Se puder dizer algo de bonito e marcante
que esses olhos me trouxeram,
foi ver que mesmo diante de tanta dor,
ela sempre se mantinha de pé
Jamais perdia sua fé
Os segundos olhos
foram de um menino africano,
morto em tenra idade
Pude ver fome,
miséria,
pobreza,
abandono e dor
Mais um par de olhos habituados com a brutalidade,
ignorância e exploração
Viu em seus poucos anos de vida,
homens de outra cor,
usando seu povo e continente
Trazendo com eles,
sangue,
guerras,
tirania
Os abandonando ao caos depois
Seu país e também seu continente,
sofriam as causas da ganância e ambição doente,
de homens que se diziam e se sentiam,
mais ‘evoluídos’ e ‘nobres’,
‘civilizados’
E mais uma vez,
em meio a tantas visões
de dor e desgraças
Algo me marcou
Havia sempre um sorriso no rosto do menino,
de seus parentes e amigos
Algo os fazia querer viver,
mesmo em meio a tanto sofrimento
Morreu brincando sem brinquedos,
com amigos,
com tiros de uma tribo rival
Com a arma de um colonizador
Senti que precisava provar muitos olhos ainda
Uma estranha sensação me tomava
Talvez fosse a tão escassa compaixão
O terceiro olho,
para minha surpresa,
era de um artista muito famoso,
que tirou a própria vida,
no auge de sua carreira
Muito sexo,
bebidas e drogas
Aplausos,
holofotes,
carros,
casas,
enfim,
tudo que aqueles olhos,
e aquele homem,
desde menino,
sempre sonharam
E de marcante,
esses olhos me deixaram
o que viam no espelho
Nada…
Não conseguia se olhar no espelho
Tudo que via eram máscaras
Tinha olhos sem brilho,
que refletiam o vazio que sentia aquela alma,
ao buscar na fama,
no poder e no dinheiro,
algo que não se compra,
e nada material pode compor
Passei dias testando olhos
Vi e senti coisas
que com os meus olhos
jamais conseguiria ver
Experimentei a fundo
a vida e experiências de pessoas,
de todas as
cores,
raças,
sexos,
religiões,
ideologias,
orientação sexual,
classes e hordas
Todos os tipos de visões
Quando não haviam mais olhos,
e sabia que era chegada a hora de escolher
O mestre me surpreende com sua voz:
“Agora tenho aqui,
os últimos olhos que deve testar
Os seus”
Não entendi o porque,
testaria olhos que já conhecia tão bem
Eram meus,
e estava ali justamente
por não os querer mais
Foi então que ele me trouxe à luz
e falou:
“Seus olhos já não são mais os mesmos,
pois por mais que não estivessem com você
nesses últimos dias,
era sua alma que enxergava,
e é só ela que verdadeiramente vê
Você teve a oportunidade de ver
com os olhos de seus irmãos,
para entender a importância da tolerância
e o valor do respeito ao próximo
Você não precisa mais de novos olhos,
agora você sabe o que é a fraternidade
e conhece a compaixão
Sabe o quão profunda pode ser a dor
de qualquer um de seus irmãos
Sabe que ninguém tem direito de julgar o outro,
pois cada olho e cada alma,
sabe tão e somente afundo de si
e de suas próprias dores
Não sabemos o que existe
por de trás dos outros olhos
E não se esqueça nunca
Até um cego pode ver mais e melhor,
do que aquele que não conhece e busca o amor
Aquele que tem luz e fé em seu olhar,
pode enxergar além de qualquer dor
O mundo tem as cores do seu coração”
Foi quando ouvi um barulho
que me trouxe de volta do sonho
Era uma buzina,
eu havia chegado ao meu destino
Meus olhos estavam molhados
E algo me dizia que,
brilhando.