O PINTOR, O COSTUREIRO E A DAMA (para Olavo Bilac)

Aqui está o pintor, ele retoma o trabalho de retratar a Dama

em grande alegoria esboçada nesse painel.

Começam aparecer os traços de um costureiro que atende

a elegante dama em seu ateliê.

O pintor esbanja requinte, mescla estilos distintos

definindo com clareza o que ficará fora da moldura.

Mas é na paleta das sílabas que o pintor recolhe

o rubor das raparigas para não faltar na composição

do quadro as delicias proibidas na infância.

É tarde e o sol se põe quando a fazenda estampada

chega às mãos do costureiro dentro do quadro.

Sobre a ampla superfície da tela, finalmente é tarde.

Sob essa luz inventada, o pintor é conciso

: a cena comportará o vazio, o insuportável para a moldura.

Mãos ao corte, que tem boa caída as figuras alinhavadas.

O tecido branco de algodão cru da roupa da Dama

expressa o cansaço dos homens negros

e suas mãos suadas nas sacas empoeiradas sem uso.

Agora o pintor pinta o costureiro, ele acrescenta para cortar;

para cercear e decotar ele recorta; para aparar e dividir ele acentua;

para cerzir a emenda uma refinada luz respinga sobre a Dama.

O pintor separa das cores primas os sons siameses

e afasta o elemento opaco do sem dor.

Para o fabrico do belo vestido, o costureiro cinge a modelo

à altura dos lombos e o pintor atinge Apeles.

Assim a língua, Dama inculta e bela, encontra

vigor na expressão da tinta e força na estabilidade do salto.

Logo o quadro estará pronto, grande painel decorativo.

Ocupará o centro desta sala se a dama não estiver nua.

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Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 22/07/2017
Reeditado em 24/01/2018
Código do texto: T6061478
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