COLETÂNEA DE UNIVERSOS
Sentados à volta da mesa,
olhos voltados para palavras cheias de incertezas,
estamos criando a poesia que reúna a todos no mesmo texto...
Cada um oferece as palavras que pode, dor, alegria, som, medo,
o mais sublime é ver se espalhar em cada olhar a única beleza,
os passos do espírito que revela a todos o mesmo segredo...
O mais velho fala de edifícios que a alma constrói,
que o tempo, com seus dentes eternos, rói,
o de meia-idade recita o cântico das uvas quase maduras,
das noites a vinho e Pessoa, da luz que invade a noite escura,
dos passos medidos que se escuta da máquina do mundo, a rugir,
da inteligência da loucura que desmonta o móbile da ignorância,
dos passos apressados de um Lorca, em Nova York, a fugir...
O ainda pomo de Adão sem a fugaz fragilidade da maçã
fala de entes e duendes e asas que nascem sobre costelas,
dos ramos de amoreiras e dos cantos sigilosos das rãs,
da tez única da princesa no alto da torre, a mais bela,
do som da casca da inocência a se romper na manhã,
e ele, arqueiro do próprio coração, atira sua flecha...
Do berço que à beira da mesa é balançado por mão que ama
vem o uivo do mistério em choro benéfico, de fome ou carinho,
fogo fátuo que reaviva cosmos mortos em suas flamejantes chamas,
o divino verbo a entrar como big-bang's no primeiro ninho...
E eu, catador de miçangas,
apanho as sobras que trazem os ventos do Oriente,
os puídos versos de um Ezra internado,
as paisagens dos óculos de Joyce,
a escrita miúda de e.e.cummings,
eu, catador de miçangas,
coletor de versos,
já não me pertenço,
eu, que sei quem não sou,
ramo ou galho
deste universo tão extenso...