COISA ESCRITA
Há certos momentos que nos são estranhos
Uma grande inquietação toma conta
Procura-se as palavras; elas nos somem
Desiste-se das palavras; a dor consome
Então escrever parece o mais sensato a fazer
Mas escrever coisa qualquer,
Nem mesmo a coisa escrita se aceita
Talvez, deve-se haver uma receita
Que nos levasse a dizer o que se quer
Mas se o que se quer, a si rejeita
Devêssemos então ignorar as tais palavras
E passar a maquiar a certa coisa a ser dita
Como disse um outro poeta;
Somos fingidores.
Então assim faremos:
Fingiremos todas as dores. E os amores.
Fingiremos também tudo que nos vier
Ou talvez, não fingiremos nada,
E enganaremos a nós mesmos
Até dizer sem perceber
A coisa escrita que se quer.