MEU CANTO NADA CRIA
Meu canto nada cria, tampouco perde a força no instante.
Emendando coisa e coisa feito peixe que nada enquanto
come o que vem pela frente, meu canto é nado em água fria.
Planctons, algas, corais... meu canto tudo consome!
come o canavial, a construção e as ondas do mar,
devora o silêncio na lição da pedra, a canção perfeita
praia ordenada, faca afiada, sonho desfeito.
Na madrugada, meu canto não é alegria nem pranto
é trama imaginada, lembrança esquecida, face desfigurada.
Se invento ou se recordo não há diferença
pois que navego no inverso manso do que vai e canto.
Tenho nas estrelas olhos de navegante, tatuei-as no peito!
elas regulam o movimento e o percurso do canto,
as estrelas são almofadas, é luz na carne macia do vento.
Mas se tal conforto não encontro, sem porto
invento ilha onde possa lançar âncora,
então revejo rotas e mudo o rumo de ilha em ilha
remendando os versos como estes - eis meu canto!
Barco à vela ou peixe faminto, de ilha em ilha verso a verso
a palavra fugidia mergulhada na vastidão inquieta e fria
é isca viva sorrateira e em mim mesmo algo fisga.
Assim é que no caminho me encontro: tudo consumo
e noutra coisa me transformo...
Agora eu era peixe, fui água-viva e depois barco e pranto
fui estrela e porto em Ilha distante - serei âncora, serei canto?
Canto, canto! Canto
a fome do oceano, a poesia desse mar
sei que nada se perde, há tanto encanto...
Acentuo, sou tão pouco! voz do instante.
Baltazar