MEU CANTO NADA CRIA

Meu canto nada cria, tampouco perde a força no instante.

Emendando coisa e coisa feito peixe que nada enquanto

come o que vem pela frente, meu canto é nado em água fria.

Planctons, algas, corais... meu canto tudo consome!

come o canavial, a construção e as ondas do mar,

devora o silêncio na lição da pedra, a canção perfeita

praia ordenada, faca afiada, sonho desfeito.

Na madrugada, meu canto não é alegria nem pranto

é trama imaginada, lembrança esquecida, face desfigurada.

Se invento ou se recordo não há diferença

pois que navego no inverso manso do que vai e canto.

Tenho nas estrelas olhos de navegante, tatuei-as no peito!

elas regulam o movimento e o percurso do canto,

as estrelas são almofadas, é luz na carne macia do vento.

Mas se tal conforto não encontro, sem porto

invento ilha onde possa lançar âncora,

então revejo rotas e mudo o rumo de ilha em ilha

remendando os versos como estes - eis meu canto!

Barco à vela ou peixe faminto, de ilha em ilha verso a verso

a palavra fugidia mergulhada na vastidão inquieta e fria

é isca viva sorrateira e em mim mesmo algo fisga.

Assim é que no caminho me encontro: tudo consumo

e noutra coisa me transformo...

Agora eu era peixe, fui água-viva e depois barco e pranto

fui estrela e porto em Ilha distante - serei âncora, serei canto?

Canto, canto! Canto

a fome do oceano, a poesia desse mar

sei que nada se perde, há tanto encanto...

Acentuo, sou tão pouco! voz do instante.

Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 08/07/2016
Reeditado em 21/02/2017
Código do texto: T5691303
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