17:32 PM R.I.P.
17:32 PM DE R.I.P.
se dou um passo vejo diferente
se penso ter dado um passo, sinto diferente
de sentir o peso leve, indiferente a tudo que foi, penso diferente
mas quando penso que penso diferente, ainda sou quem era
sou quem era, mas diferente
talvez por isso, de vez em quando
eu sou parede
de vez em quando, sou porta
de vez em quando corredores
e de vez em quando sou aorta
parede, porta, corredores, aorta...
se diferente vejo, dou um passo
de vez em quando sou fluxo contínuo
de sangue morto em organismo vivo
mênstruo, catamênio, fluxo, regra
ou seiva, é quando soa nova melodia
é quando nego o mal e dele as raízes
de quando em quando sou raro, minto
de quando em quando eu me mato
e aceito a métrica , a rima sussurrada
que se mete surda, um feio embuste
na verdade, afasia! eu sempre renego
se der um passo verá diferente, veja
já fui planta em vaso, e não deu certo...
parecia som de tuba entre os violinos
um experimento científico, um soneto
ornamental apertado, luzidio asmático
deslocado no tempo, um descompasso
depois me arranjei sobre a cova fresca
dum morto apaixonado que se matou
ainda jovem embriagado por amor, e fui
de novo aorta, parede, corredor e porta
para um corpo apodrecido menor a cada dia
se pensa ter dado um passo, sinta
da umidade saltei à lápide concreta
nela, fui o escrito patético das mãos
do amante arrependido
do pai ausente
do irmão promíscuo
da mãe protetora
ébrio alcova vazia
romântico lacônico pedido de mais tempo
ah vida rastejante, o escrito era eu na lápide
túmulo abandonado indiferente a tudo que foi
... por acaso a morte pede mais poesia
alinha-se ao revés de nós
introduz organismo vivo
seiva de si aplica, replica
duplica desfaz de conta
corta os pulsos e coteja
pinga gota, pinga rota mais um "i"
e volta a ser, de vez em quando
parede, porta, corredor e aorta.
Antônio B.