ELO

Há um elo de poesia no mundo, está por toda parte

no surdo ventre seco da semente, na língua muda

cavada de sulcos, na palma da mão direita nua

no beijo ardente, em tudo há poesia.

Esse elo, ente indizível "poesia-mundo"

faz da criança travessa anjo de luz

faz do pintor exausto gênio ativo

faz do escritor esquecido amante bêbado de linguagem alheia

da água faz água viva, água ardente.

Eu não sou poeta, eu duelo com a poesia no mundo

porque ter sorte na vida é ver o mar na chuva

as calotas polares escorrerem nas calçadas

é ver o sangue de Cristo no vinho e no vinho as águas do Jordão

ser poeta é não ter sorte, é ver o Jordão no riacho

o mesmo rio na calçada molhada depois da chuva

e o Cristo ser batizado na esquina

ter sorte e ser poeta é ver-te volver sem lágrimas

e jurar fidelidade domingo de manhã.

Anelo ouvir-te acenando “não te esquecerei jamais”.

Derramo para que seja sempre e para tantos o que desejo

não basta cobrir o fundo vazio de lama

nem erguer andaimes na construção

o ornamento deve ser vaso novo

ir além do que foi dito

mais que isso é distração, é vaidade sem lastro

nego-me a dizer “te amo” para chegar ao verso egoísta

pois que sem estar presente fico

tudo é verdade.

Poesia

é a busca constante

por movimento e ritmo suspensos

é a água na órbita do que é vasto.

Anelo elo ergo olhos secos para o sem fim

porque desejo alcançar poeira sob os pés

alcançar a criança travessa vestida de luz na tela do pintor exausto

também as prateleiras e os livros

alcançar o escritor esquecido e amante bêbado da linguagem alheia

num só tempo o destinatário e o endereço

para assim perder-me em poesia onde ela quer que esteja

a linguagem sempre viva com a sede da água ardente.

Antonio B.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 09/03/2016
Reeditado em 09/03/2016
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