ELO
Há um elo de poesia no mundo, está por toda parte
no surdo ventre seco da semente, na língua muda
cavada de sulcos, na palma da mão direita nua
no beijo ardente, em tudo há poesia.
Esse elo, ente indizível "poesia-mundo"
faz da criança travessa anjo de luz
faz do pintor exausto gênio ativo
faz do escritor esquecido amante bêbado de linguagem alheia
da água faz água viva, água ardente.
Eu não sou poeta, eu duelo com a poesia no mundo
porque ter sorte na vida é ver o mar na chuva
as calotas polares escorrerem nas calçadas
é ver o sangue de Cristo no vinho e no vinho as águas do Jordão
ser poeta é não ter sorte, é ver o Jordão no riacho
o mesmo rio na calçada molhada depois da chuva
e o Cristo ser batizado na esquina
ter sorte e ser poeta é ver-te volver sem lágrimas
e jurar fidelidade domingo de manhã.
Anelo ouvir-te acenando “não te esquecerei jamais”.
Derramo para que seja sempre e para tantos o que desejo
não basta cobrir o fundo vazio de lama
nem erguer andaimes na construção
o ornamento deve ser vaso novo
ir além do que foi dito
mais que isso é distração, é vaidade sem lastro
nego-me a dizer “te amo” para chegar ao verso egoísta
pois que sem estar presente fico
tudo é verdade.
Poesia
é a busca constante
por movimento e ritmo suspensos
é a água na órbita do que é vasto.
Anelo elo ergo olhos secos para o sem fim
porque desejo alcançar poeira sob os pés
alcançar a criança travessa vestida de luz na tela do pintor exausto
também as prateleiras e os livros
alcançar o escritor esquecido e amante bêbado da linguagem alheia
num só tempo o destinatário e o endereço
para assim perder-me em poesia onde ela quer que esteja
a linguagem sempre viva com a sede da água ardente.
Antonio B.