O homem que carregava pedras inúteis
Eis que lá vem ao longe
O homem que carrega pedras inúteis
não por condenação divina
fruto de uma esperteza proibida
nem para tirar do caminho
de alguma fatigada retina
O homem que carrega pedras inúteis não sabe lhe dizer o porquê
Apenas traz pedras
De cá pra lá
de lá pra cá
Como um menino que carrega água na peneira
mas com uma inutilidade muito maior
e sem o peso leve do vento
O homem que leva pedras inúteis
não faz nenhum alicerce
não faz nenhuma escultura
nem serve de modelo pra fotos da pobreza e miséria
o homem que carrega pedras inúteis
é a encarnação da própria miséria
Encanta-se ao contemplar suas pedras
em qualquer lugar, em qualquer contexto
nomeia algumas pedras com nomes extensos
o homem que carrega pedras inúteis
não tem, ele mesmo, utilidade
só o tédio de levar as pedras
de cá pra lá
de lá pra cá
Algumas pedras inúteis
dessas que o homem carrega
atrapalham a vida da aldeia
são tropeços de atalho
degraus escorregadiços
Outras, se o sol as contorna
formam sombras estranhas
que, como as nuvens do céu
são coelhos ou casais
Mas o homem que carrega pedras inúteis
é só
e tão inútil quanto suas pedras
que não são suas
nem de ninguém
São só pedras
Inúteis
Eternas