O campo de Abel e a marca de Caim
Havia um campo verdejante, onde a vida dançava com o vento e os frutos nasciam sem pedir licença. Ali, Abel pastoreava seu rebanho, e cada cordeiro era um hino à gratuidade da criação. Seu coração batia no compasso da oferta sincera, pois entendia que tudo o que tinha vinha de Deus e a Ele retornava.
Do outro lado, Caim lavrava a terra com mãos calejadas. O suor de seu rosto se misturava ao pó, e cada semente plantada carregava o peso de sua inquietação. Seu altar não fumegava como o de Abel, e dentro dele crescia um silêncio perigoso, um ressentimento que se enraizava como erva daninha no solo de sua alma.
Até que, num instante de sombras, o campo de Abel se tingiu de vermelho. O irmão tornou-se predador. A inveja, alimentada no escuro, lançou-se como uma fera sobre a inocência, e a terra bebeu o sangue de quem apenas sabia amar. O grito de Abel não ecoou apenas no vale, mas subiu aos céus, atravessando as eras, perguntando: "Onde está teu irmão?"
Mas Caim não respondeu. Ou talvez tenha respondido do único modo que sabia: com fuga, com medo, com um exílio imposto pela própria consciência. Levava consigo a marca invisível, não apenas no corpo, mas na alma—a marca que denuncia e protege, que separa e condena, que lembra que a justiça divina não se esquece do sangue que clama da terra.
E assim, desde aquele dia, o mundo segue dividido entre os que cultivam o campo de Abel, oferecendo-se com gratidão, e os que deixam crescer, dentro de si, a ira de Caim.
Afinal, a pergunta de Deus ainda ressoa nos corações dos homens: "Onde está teu irmão?" E a resposta que dermos definirá se carregamos o perfume do sacrifício ou o peso da marca.