Vômito na mesa

Vômito na mesa

Estou sem paciência para digerir a confusa teologia apresentada nessa era de trevas. Mas ontem, li, mastiguei, engoli e extrai dela o que deu pra compartilhar com vocês nestas linhas. Foi um dia atípico.

Acordei com a sensação de que alguma coisa ou alguém estivesse me guiando, abrindo meus olhos. Há sempre mais pra ser visto, ouvido, ruminado e digerido. Sem nada específico em mente, guardei a expectativa e sem saber perceber fechei o dia ouvindo três influentes ensinando sobre o que disse Jesus em Lucas 9.23.

Impossível não reparar como os ensinamentos de Jesus são repassados de maneira superficial e até irresponsável. Em meio a muita inquietação e desconforto por parte dos seguidores ansiosos por respostas claras, vi o primeiro pregador, um tipo Marvel que pensa ter caído do DC comics direto no time dos super judeus tupiniquins, afirmar, (de peito inflado e tudo), que negar-se a si mesmo é sacrificar os prazeres da carne, não para ser salvo, mas como evidência de salvação.

De repente, apareceu outro apresentando a mesma passagem bíblica e ares de lacrador pós moderno. Este, visivelmente coberto com a hipocrisia da razão iluminista, afirmava confiante que Jesus requer de nós a negação do lado ruim de nosso caráter subjetivo. Em outras palavras, se em seu círculo de amizade a pessoa é considerada uma chatice ambulante, essa pessoa deve ocultar seus carácteres tóxicos e se esforçar pelo bem comum, tentando ser uma pessoa legal.

Por último, vi o mesmo trecho sendo percorrido por um homem jovem e sisudo com bafo de vinho velho. Este, por sua vez, dizia que Jesus não estava falando de sacrificar-se, pois na cruz o sacrifício havia sido suficiente. Do alto de sua arrogância vã, ele finalizava dizendo que não há nada que possamos fazer para melhorar o que é perfeito e definitivo. E é claro, como um bom e cego fariseu, deixou a pergunta flutuando no ar sem esclarecer absolutamente nada sobre o que realmente nos ensina a passagem que ele menciona no início de sua abordagem.

Sutilezas à parte, digo, sem pudor algum, que os seguidores desses teólogos se comportam como uma manada faminta e confusa brigando entre si, exatamente pela angustiante condição de serem ovelhas que vagueiam sem pastor nas campinas da Sodoma virtual.

E apesar do coração cansado dessa mesma tristeza enfadonha, fiz questão de olhar rapidamente os comentários, que me trouxeram à memória um antigo provérbio citado por minha mãe:

"Casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão".

Confesso que essa lembrança me fez rir sozinha e mesmo que os reais motivos do gracejo não caibam aqui, a verdade é que nós sempre rimos. Do lado de cá da vida real a gente se acostumou com o excesso de asneira, e o riso se levanta preparado antes que a reflexão se prepare pra levantar. É por isso que repetidamente passamos de largo até nos deparar com a próxima sandice em nome de Deus e novamente rir e rir.

Desta vez, porém, numa fração de segundo me veio à mente uma fala escatológica do Mestre. Sobre a marca do fim dos séculos, ele diz:

"Antes" o joio será "reunido pelos anjos e atado em feixes para ser queimado".

Me parece ser exatamente esse o momento refletido no quadro atual. Por isso, embriagar-se a ponto de não ver a luz do dia, é estupidez e não tem graça nenhuma.

Como podemos afirmar que Jesus está voltando e ao mesmo tempo nos comportar como bêbados num banquete de vômito?

Sejamos luz e deixemos que os pobres e desvalidos que não têm provisão pra si, durmam e se embriaguem. Que a dor seja recalcada nas orgias da noite e os corações pesados de consequência!

Na terra do sol, porém, a sabedoria grita nas praças lembrando-nos que somos o dia. Eis a razão pela qual permanecer sóbrio nessa era de trevas é tão crucial quanto abrigar-se para não ser alvejado por disparos numa guerra. E aí está um pequeno exemplo de auto negação jamais citado em rodas de teologia. Quanto a tomar a cruz de cada dia, é assunto pra outra conversa.

Iva Mark
Enviado por Iva Mark em 14/07/2022
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T7559192
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