Que eu veja!
(Reflexões a partir de: Jeremias 31,7-9; Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52)
Quantos e quais são os empecilhos que nos impedem de nos aproximarmos de Jesus?
Esses impedimentos estão em nós ou naquilo que nos circunda?
Quase nunca somos capazes de admitir nossas fraquezas ou nossos erros; quase sempre atribuímos a outros as causas de nossos insucessos. Mas o que temos recebido de Deus e o que temos para Lhe retribuir?
Lendo esta pequena passagem de Jeremias (Jr 31,7-9) vermos o clamor do povo: “Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel”. Mas não é uma multidão que se dirige ao Senhor!
Ou seja, não se trata de uma multidão que chama e pede ajuda. São uns poucos. A multidão é como a ramagem das árvores, pende para o lado que o vento sopra. E os ventos das propostas enganosas sopram constantemente: pela boca daqueles que se dizem pastores, mas trazem intenções enganosas, pois só querem tirar proveito da inocência do povo. Pelos líderes políticos que enganam, usando o nome de deus e aproveitando-se da simplicidade da fé ingênua. Pelos veículos de comunicação de massa que massificam as multidões para melhor domá-las e as entregar aos falsos pastores e lideranças religiosas, prontas para serem conduzidas ao matadouro, como o gado gordo.
Mas aqueles poucos do povo, o resto, não é assim. Esse pequeno grupo percebe os engôdos e redes lançados pelo inimigo. Percebe como são mortais as armadilhas dos discursos inflamados daqueles que tanto usam o nome de deus como do demônio; das propagandas dizendo que tudo é fácil e simples, desde que se siga a trilha do consumo, da anulação da consciência, do endeusamento dos líderes políticos que se apresentam como messias inflamados. Os poucos, o resto do povo, esse é capaz de dizer: Não é esse o caminho para as “torrentes de água” prometidas pelo senhor. E são capazes de dizer isso porque, permanecem com os olhos abertos... enxergando!
Esses poucos são capazes de ver, porque não se colocam acima do povo, mas ao seu lado. Aliás é isso que nos ensina a carta aos Hebreus, afirmando que todo aquele que têm função de liderança é “tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus”. Esse não se apresenta como santo salvador, mas sabe-se limitado e “cercado de fraqueza”. Seu poder é a compaixão, não a exploração; é a mediação para levar a Deus e não a enganação interesseira; sabe que não age em seu nome, mas apresenta-se a Deus com humildade, carregando os anseios do povo… sabe que se torna um porta-voz do povo e não seu carrasco!!!
E a nós, o que resta fazer?
Com certeza não é manter as atitudes dos grandes deste mundo, que se fazem passar por bons meninos, mas que de fato são a causa da perdição!
Os que estão nos cargos e funções e instituições de liderança são como aqueles que tentaram conter o cego Bartimeu (Mc 10,46-52). Mas ele, integrando o pequeno grupo, gritava, clamava e pedia a ajuda de Jesus… enquanto os adoradores da discórdia tentavam impedi-lo.
Ele, cego, estava vendo o caminho a seguir, gritava… e o Senhor o ouviu; eles, com olhos perfeitos, não conseguiam ver a proposta de Jesus… e tentavam barrá-lo.
Contra as expectativas do que se acham donos da verdade, do dinheiro, do poder, da moral, dos bons costumes… Jesus, referindo-se ao cego que o estava vendo, disse apenas: “Chamai-o”
Dando “um pulo” aproximou-se. “Que queres?” pergunta Jesus. “Quero ver!” diz o cego!
Certamente o diálogo prosseguiu com Jesus dizendo: “Você já me viu melhor do que essa multidão”. Possivelmente ele respondeu: “Mas a multidão segue qualquer um. Segue belas palavras. Quero ver o caminho por onde andas e andar contigo”. Só então Jesus lhe diz: “Tua fé te curou!”
E ele recuperou a visão do corpo, para melhor ver com os olhos da alma; para melhor seguir a Jesus; para nos ensinar que Jesus não atende a inconstância da multidão, que enche estádios e comícios e baladas e motociatas e passeatas e outros ajuntamentos de multidões… Mas atende, sim, aqueles que querem ver a situação de miséria em que o povo se encontra e se esforçam e lutam contra ela. Aqueles que querem ver como transformar a sociedade para que “todos tenham vida”… Aqueles que se engajam num processo de análise e crítica dos padrões dominantes e dominadores que valorizam não o ser humano mas as aparências...
Então, quantos e quais são os empecilhos que nos impedem de nos aproximarmos de Jesus? Esses impedimentos estão em nós ou naquilo que nos circunda? E, se queremos nos aproximar de Jesus, também temos que começar a pedir: Senhor, que eu veja para poder me aproximar daqueles que necessitam...
Neri de Paula Carneiro
Outros escritos do autor:
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