O que sobra?

 
     E o homem, o que é?
     O macho, a quem até as mais belas damas lutadoras, vez por outra, cobrarão proteção pela força? O Papa, a quem toda gente recorrerá para se redimir, ou o Rei, para redimir a nação de seus males? O herói, a quem os fracos e oprimidos gritarão socorro...? Pode ser, mas nenhuma dessas vestiduras é mais penosa que a de pai de família, de marido, nenhuma!
     O esposo, portentoso, desfila pelos corredores das igrejas, mãos dadas, prole à sua roda; Gentleman, abre portas às damas, incluindo a sua, exalando o doce perfume das boas casas; Esperto, desce do veículo com chofer, o nariz acima dos maiores arranha-céus, afinal o poder magnetiza sua companheira; Másculo e engenhoso, carpe o quintal, conserta todas as máquinas do lar e, à noite, leva sua amante mulher a ver estrelas...
     Mesmo hoje já coberto de mofo pelas modernidades do comportamento, é este o seu tradicional retrato: tudo para os seus, aqueles do seu sangue. Mas retratos são congelamentos de gestos que podem travestir outras reais histórias.
     E o que diremos do cristão pai e esposo? Daquele para o qual, além de todos esses papéis, somam-se as exigências da santidade?
     Ah, deverá ser um conhecedor da palavra e, mais do que isso, seu mais honesto vivedor. Sim, mais que tudo, deve ser ele alguém em quem se perceba os frutos concretos do espírito; a fidelidade? algo que nem se discute, apenas uma óbvia base.
     É fácil notar isso em nossas majestosas e prósperas novas eclesias...
“Tú” és fiel Senhor...: é assim, contudo, que inicia um dos mais belos hinos evangélicos, e até o “rei” salmista exclamou “Por que estás abatida, oh, minh’alma?”.
     Triste e dura, mas também a mais transparente verdade.
     Deus nos fez psique; nela se aglutinam as camadas de nossa vida nesta terra. Não bastassem os mancebos anos da florescência hormonal, quando tudo parece estar bem assentado, a meia idade nos sorri um sorriso sarcástico.
     O que sobra do cristão quando cai? O que sobra dele quando, além disso, quase leva seus irmãos ao tropeço? O que sobra de um pai de família quando a idade do lobo quita-lhe a serenidade, leva-o a uivar em outras paragens, estremece o sustentáculo de seus conceitos? O que lhe resta quando ele pensa que o que tem ao seu redor não é o que queria ter?O que fica quando, tendo uma rosa morena em seu jardim, lhe suscita o desejo uma outra rosa, uma rosa platônica, que ele sabe que não pode colher; que o pai-natureza lhe proibiu colher; que só pode ter sido a ilusão que o fez pensar que poderia desta rosa cuidar com o mesmo cuidado que a sua; uma rosa, enfim, que bem enraizada está em seu próprio chão?
     Nenhuma rosa merece a fidelidade do fruidor que a colhe, mas somente o Pai-Natureza, aquele que planta, rega, poda e ama todas as rosas, todas as flores: somente a Ele devem lealdade aqueles que das flores desfrutam. Seu jardim é a suma obra, a menina dos olhos desse paciente Criador.
     O que resta a esse jardineiro de pouca fé é esse Pai-Mãe, a lhe dizer, calma e bondosamente, que os espinhos de sua rosa lhe serão espelho a revelar-lhe a sua própria pequenez e fraqueza. – Porque choras se ela te espetou o dedo? Ela é rosa, e você urtiga!, lhe cospe na cara o Pai com severa bondade...
     Restam, enfim, ao cristão os seus irmãos, que lhe escoram, levantam, acolhem, poupam-lhe de julgamentos cruéis, mas advertem: - Levanta, vai, mas não peques mais!
     Com o orgulho pisoteado, sem sequer ter forças mentais para se arrepender por inteiro, ele começa titubeante o caminho de volta, estrada cheia de incertezas, como um filho pródigo. Ao seu lado, vê outros irmãos com suas rosas em seus braços, com o mesmo olhar ao longe que só mostra um único anseio: que este seja o caminho certo da macheza, do cavalheirismo, da sabedoria. Repleto de perguntas ele só tem a esperança de que é esta trilha repleta de pedregulhos a que deve seguir, e que o perfume e suavidade das pétalas de sua rosa continuem sendo-lhe como os espinhos dela: amor a colorir sua vida preta e branca de pai de família!
 

Maio de 2016