Qual o valor do seu reino?

Irmãs e irmãos amados, que a paz de Deus esteja presente na vida de vocês!

Dando sequência ao calendário litúrgico do cristianismo ocidental, chegamos ao 17o Domingo do Tempo Comum (26/7/2020) e, dando continuidade ao trecho narrado por Mateus, deparamo-nos com a apresentação de mais duas parábolas por Jesus a respeito do Reino dos céus, comparando-o com um valioso tesouro e preciosas pérolas.

Convido a todas e todos vocês a refletirmos juntos sobre a referida passagem, que se encontra transcrita abaixo:

 
O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. O Reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a compra. (Mt 13,44-46)

O evangelista Mateus, em seu capítulo 13, traz-nos uma sequência de parábolas apresentadas por Cristo Jesus que explicam o Reino de Deus, suas características, seu encontro, sua conquista e como nele viver e participar de sua construção em nosso cotidiano.

Ocorre que, logo de início, surge um questionamento apresentado por muitos relacionado à possível distinção entre o Reino de Deus e o Reino dos céus, como apresenta Mateus. Opto, distintamente de alguns, em limitar-me tão somente à origem judaica do evangelista em questão e ao seu público prioritário – judaico-cristão – para justificar a não utilização da palavra “Deus”, seguindo premissas básicas judaicas de evitar a menção rotineira do nome do Altíssimo. Assim sendo, opta pelo termo “Reino dos céus”. Abstenho-me das demais interpretações e justificativas de possíveis distinções, tendo em vista serem sustentadas em interpretações humanas e pessoais sobre o assunto.

Permitam-me começar minha reflexão com o sentimento maravilhado diante da sempre compassiva paciência de Jesus com a limitação humana, decorrente de seu infinito amor pela criação, dispondo-se a explicar-nos sobre o Reino por meio de parábolas, de uma forma simples e atemporal, lançando mão de situações do cotidiano para esclarecer sobre a o incomensurável valor do Reino e sua existência plena em nosso meio.

Nessa sequência de parábolas, Mateus relata, inicialmente, a parábola sobre o semeador que lança suas sementes boas, indiscriminadamente, e, dependendo do terreno, elas poderão germinar, crescer e frutificar. Segue com a parábola da semente do trigo que, após plantada, juntamente com ela cresce o joio, sendo que, por prudência, sabedoria, paciência e amorosidade, o semeador aguarda o crescimento e o momento adequado para a distinção evidente entre eles, visando colher e armazenar o trigo e queimar o joio. Diferentemente de algumas visões, não cremos que alguns nascem para serem trigo, outros, joio. Isso seria uma predestinação e uma escolha que representaria um cerceamento do livre arbítrio tão marcante na obra de Deus e iria contra a universalidade de seu desejo salvífico para a humanidade. Cremos, sim, que nascemos como o terreno fértil para que, plantado o trigo do infinito amor de Deus, ele possa crescer livremente, em qualidade e quantidade adequadas. Porém, o joio do mundo, frequentemente acolhido, aceito e plantado no interior do ser humano, por ele próprio, com seus apegos rotineiros, em decorrência de suas limitações, acaba sufocando o trigo divinamente plantado.

Na sequência, Mateus nos mostra o minúsculo grão de mostarda que, ao crescer, se transforma em uma grande árvore, capaz de acolher e apoiar quem dela necessita. Percebe-se que, se a pequena semente de mostarda mantiver sua condição de semente, acabará morrendo e de nada servirá, apesar de possuir em si todo o potencial transformador. Ela precisa ser cuidada por um bom agricultor, caso esteja em terreno fértil, para que se transforme no maior arbusto dentre todas as hortaliças, possibilitando, inclusive, que pássaros venham aninhar-se em seus ramos. A semente divina semeada em cada um de nós, infinita em seu potencial, se bem cuidada em terreno fértil, não apenas será capaz de nos transformar, possibilitando uma contínua evolução espiritual, mas possibilitará que outros venham buscar sossego e ampara em nós em seu voo cotidiano. Em seguida, apresenta-nos o fermento, mesmo que sem valia por si, com sua capacidade de transformar a massa, produzindo alimento adequado para consumo. Percebam que, tanto o fermento como a semente da mostarda não se mantêm da mesma forma para que possam gerar resultados referentes a razão de sua existência.

No trecho que hoje abordamos, Mateus narra a comparação feita por Jesus do Reino com o valioso tesouro e a preciosa pérola, destacando, além da sua valia, a atitude daqueles que os encontram, após incessante busca, vendendo tudo o que têm para ficarem com tais preciosidades. Percebam que, tanto o tesouro como a pérola são encontrados por pessoas que os procuram, cavando o terreno e mergulhando em busca de ostras. Nada passivo, nada estático, tampouco previamente estabelecido, sempre requerendo a ação de ir ao encontro dos valiosos achados.

Igualmente em nossa vida, acreditamos que tão somente meros desejos, palavras, e práticas ritualísticas, não acompanhados de ações concretas cotidianas, dificilmente possibilitarão que encontremos o tesouro espiritual, o verdadeiro, valioso e perene Reino. A passividade diante das injustiças, a atitude espectadora frente às indiferenças sociais aos mais necessitados, mesmo que em constante oração, dificilmente nos propiciará encontrarmos a nossa verdadeira preciosidade divina. Orando, relacionando-nos intimamente com Deus, é-nos disponibilizado o mapa do tesouro, as coordenadas para encontrarmos a ostra que contém a pérola, mas precisamos cavar e mergulhar ao encontro da riqueza desejada.

Percebam que o tesouro, encontrado ou não, está presente e enterrado, igualmente à pérola que lá está, no interior da ostra. O mesmo acontece com o Reino de Deus, que é vivo, presente e real, cuja existência pode ser percebida na vida dos seres, dependendo da opção de cada um. Muitos dizem que ele é oculto, disponível apenas para os iniciados adequadamente. Não creio!! Ele só não está na superficialidade das relações, no raso das coisas do mundo, nas aparências que tanto nos inebriam e encantam. Precisamos mergulhar no fundo de nós mesmos para encontrarmos a divina presença, a verdade que transcende a nossa razão, precisamos cavar no terreno de nossa existência para perceber a essência do amor de Deus presente em cada um de nós. Ele está oculto em decorrência da ênfase que damos a tudo que nos encanta, a tudo que nos identifica com este mundo perecível. A presença do Reino está ofuscada pelas ilusões decorrentes dos apegos que vendam os nossos olhos humanos.

Nada é por acaso, tampouco o Reino, a Verdade transcendental pode ser encontrada a depender de nossa busca. Nenhum tesouro nos cai no colo simplesmente por desejá-lo. E mesmo quando o encontramos, não basta apenas chegarmos até ele, faz-se necessário percebermos sua importância e estabelecermos prioridades na nossa vida para nele ficarmos e dele nos alimentarmos espiritualmente. Vem-me sempre à mente o trecho bíblico, também de Mateus: “Porque onde está o teu tesouro, lá também está o teu coração” (Mt 6,21)

Em dois momentos na passagem em tela, em ambas as parábolas, encontramos a ação dos felizardos descobridores vendendo tudo que tinham para poderem ficar com a riqueza encontrada. Isso é priorizar, é colocar no devido lugar na escala de valores da vida. Certamente, a parábola não aponta, necessariamente, para a venda ou doação de tudo que temos para que vivamos o Reino dos céus, mas sim priorizá-lo em nossa vida, seu encontro, sua conquista, sua vivência, a possibilidade de evolução espiritual que ele nos dá e sua partilha. Sem dúvida alguma, a percepção da presença divina em nós, a consciência de fazermos parte de seu Reino, é uma pérola de valor inigualável.

Em todos os momentos em que Jesus exorta as pessoas a livrarem-se do que têm para buscarem e viverem o Reino de Deus, ele estimula (percebam bem, ele não nos obriga!!) a priorizar as coisas que, de fato, têm valor, o que verdadeiramente perene, as coisas que ultrapassam os limites superficiais, ilusórios e perecíveis da matéria, é o que está enterrado por debaixo da beleza aparente. A pobreza de espírito, mencionada por Cristo Jesus no sermão da montanha, diz respeito ao despojamento das coisas do mundo de aparente e enganoso valor e, ao mesmo tempo, à procura e à obtenção da verdadeira riqueza espiritual na relação com o divino e com os irmãos, num processo contínuo de crescimento espiritual. Esta, sim, é a verdadeira riqueza, a qual merece ter a prioridade em nossa vida. Este, sim, é o verdadeiro tesouro.

Brinda-nos o mestre indiano Paramahansa Yogananda, ao refletir sobre esta passagem, a seguinte fala:

 
Quando essas verdades são reveladas à consciência física do homem, ele esconde tais tesouros nas profundezas de sua consciência; com grande alegria, ele se desfaz de todos os seus desejos materiais e (...) assegura a posse desse campo superconsciente da verdade.

Não nos esqueçamos de que Deus é vivo e presente em nossa vida, porém, igualmente aos verdadeiros tesouros e às preciosas pérolas, precisamos ir ao seu encontro. Foi-nos dado o livre arbítrio para estabelecermos prioridades em nossa vida, para elencar, de acordo com os valores que damos, o que existe em nossa vida encarnada. Basta que tenhamos a clareza do que é verdadeiramente valioso e importante para nós, para que o busquemos com toda força.

Que todos nós permaneçamos na paz e em condições de encontrar o verdadeiro tesouro em nossa vida, priorizando-o em todos os momentos.

Um fraterno abraço e fiquem com Deus!
 
Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 27/07/2020
Código do texto: T7018682
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