Em nosso cotidiano, optamos pelo trigo ou pelo joio?

Em nosso cotidiano, optamos pelo trigo ou pelo joio?

Amados irmãos e irmãs, que a paz do Senhor esteja com vocês!

De acordo com o calendário litúrgico cristão ocidental, no décimo sexto Domingo do Tempo Comum (19/7/2020), damos continuidade à sequência narrativa de Mateus, ao trazer Jesus, após o Sermão do Monte e o Sermão Missionário, explicando sobre o Reino de Deus por meio de parábolas. No texto da semana passada debruçamo-nos sobre a parábola do semeador e hoje trazemos à tona a que se refere à separação entre o trigo e o joio, à semente de mostarda e ao fermento, deixando, assim, as três outras que abordam o tesouro valioso e escondido no campo, a pérola de boa qualidade e a rede de pesca para uma oportunidade futura.

Convidamos, então, todas e todos vocês a lermos juntos a passagem em tela e refletirmos sobre ela, trazendo seus ensinamentos para a nossa vida.

Jesus propôs-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é semelhante a um homem que tinha semeado boa semente em seu campo. Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu. O trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio. Os servidores do pai de família vieram e disseram-lhe: ‘Senhor, não semeaste bom trigo em teu campo? Donde vem, pois, o joio?’. Disse-lhes ele: ‘Foi um inimigo que fez isto!’. Replicaram-lhe: ‘Queres que vamos e o arranquemos?’. ‘Não’ – disse ele –; arrancando o joio, arriscais tirar também o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar. Recolhei depois o trigo no meu celeiro’.” Em seguida, propôs-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é comparado a um grão de mostarda que um homem toma e semeia em seu campo. É esta a menor de todas as sementes, mas, quando cresce, torna-se um arbusto maior que todas as hortaliças, de sorte que os pássaros vêm aninhar-se em seus ramos”. Disse-lhes, por fim, esta outra parábola: “O Reino dos Céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa”. Tudo isso disse Jesus à multidão em forma de parábola. De outro modo não lhe falava, para que se cumprisse a profecia: Abrirei a boca para ensinar em parábolas; revelarei coisas ocultas desde a criação (Sl 77,2). Então despediu a multidão. Em seguida, entrou de novo na casa e seus discípulos agruparam-se ao redor dele para perguntar-lhe: “Explica-nos a parábola do joio no campo”. Jesus respondeu: “O que semeia a boa semente é o Filho do Homem. O campo é o mundo. A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno. O inimigo, que o semeia, é o demônio. A colheita é o fim do mundo. Os ceifadores são os anjos. E assim como se recolhe o joio para jogá-lo no fogo, assim será no fim do mundo. O Filho do Homem enviará seus anjos, que retirarão de seu Reino todos os escândalos e todos os que fazem o mal e os lançarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes. Então, no Reino de seu Pai, os justos resplandecerão como o sol. Aquele que tem ouvidos, ouça”. (Mt 13,24-43)

Antes de tudo, podemos evidenciar a divina paciência de Jesus diante da limitação humana, decorrente do seu amor infinito pela criação, sentimento essencialmente existente em cada um de nós, necessitando apenas que deixemos ser por ele preenchidos e que de nós extravase indo em direção aos demais seres a nossa volta. Ele se dispôs a explicar-nos sobre o Reino de Deus, universalmente presente, por meio de simples parábolas, lançando mão de situações do cotidiano para esclarecer sobre a sempre presença divina neste mundo e a possibilidade que temos de nos transformar, renovando-nos, evoluindo espiritualmente de forma contínua e assim caminhando em direção à santidade, também vista como auto-realização e plena iluminação. Convida-nos, com seus ensinamentos, ao mergulho na infinita verdade transcendental, tornando-nos corresponsáveis pela construção cotidiana do Reino.

Semana passada, refletimos sobre a parte inicial desse sermão esclarecedor, quando Jesus fala sobre a semente lançada ao longo do caminho e as suas possibilidades de germinar, dependendo do terreno onde for semeada.

Hoje, ele nos traz a imagem do trigo que, após ser semeado, acaba tendo a companhia do joio em seu processo de crescimento, o qual representa toda a força de nossa vinculação humana com as coisas deste mundo, iludindo-nos e obstaculizando nosso processo evolutivo espiritual. Traz-nos, também, a imagem da semente de mostarda que, mesmo minúscula, se adequadamente plantada e cuidada, é capaz de gerar a maior das hortaliças, possibilitando que pássaros venham nela descansar, juntamente com a imagem do fermento que, ao misturar-se com a massa, faz com que toda ela cresça. Ambas as imagens leva-nos à reflexão sobre a força da fé e sua imensurável capacidade transformadora.

No caso da presença do joio juntamente com o trigo, este último oriundo da boa semente, o semeador optou por deixar que ambos crescessem juntos, tendo em vista sua aparente semelhança, e que na colheita, momento possível de serem separados um do outro, enquanto o trigo for adequadamente guardado no seu celeiro para ser processado, joio será jogado à fornalha, já que, por ser uma planta daninha, nenhuma serventia tem. Tal decisão é sustentada no conhecimento da ação venenosa do joio que, mesmo em pequena quantidade, se processado junto com o trigo, pode comprometer por completo a qualidade do produto final a ser obtido.

É importante, de início, salientarmos que, diferentemente da visão de alguns, não cremos que alguns nascem para serem trigo, outros, joio. Isso seria uma predestinação e uma escolha que representaria um cerceamento do livre arbítrio tão marcante na obra de Deus, indo contra a universalidade de seu desejo salvífico da humanidade. Cremos, sim, que nascemos como o terreno fértil, onde o trigo do infinito amor de Deus é plantado, podendo crescer livremente, em qualidade e quantidade adequadas. Porém, o joio do mundo, frequentemente aceito e cuidadosamente implantado no interior do ser humano, acolhido por ele próprio em decorrência de suas limitações e das ilusões que o mundo apresenta, acaba sufocando o trigo existente, provocando a confusão visível da inexistência da boa plantação, em proporções que varia de pessoa para pessoa.

E aí vem a questão: Qual é o nosso cuidado com a semente divina, pela qual o Senhor implanta em nós sua bondade, dando-nos a possibilidade de nossa evolução e transformação, para que disseminemos o bem, a compaixão, o amor, a partilha desinteressada no mundo?

A mesma semente divina que, segundo as explicações de Jesus, se parece com o fermento na massa, massa de nossa existência, que por sua possibilidade intrínseca divina é capaz de nos santificar, propiciando nossa importante atuação na contínua melhoria do mundo, caso aceitemos seu poder transformador. Estamos sabendo tratar essa massa que possui, essencialmente, a presença do fermento de Deus, para que ela não apenas cresça, mas fermente toda a massa da humanidade?

Percebam que, tanto o fermento como a semente da mostarda, não se mantém da mesma forma para que gerem bons resultados. Ambas sofrem, no meio em que se encontram, importantes mudanças, dependendo de como são tratadas, para que gerem transformações positivas e desejadas pelo Altíssimo.

Se a pequena semente de mostarda mantiver sua condição de semente, acabará morrendo e de nada servirá, apesar de possuir em si todo o potencial transformador. Ela precisa ser adequadamente cuidada, em terreno fértil, para que se transforme no maior arbusto dentre todas as hortaliças, possibilitando, inclusive, que pássaros venham aninhar-se em seus ramos. A semente divina semeada em cada um de nós, infinita em seu potencial, se bem cuidada em terreno fértil, não apenas será capaz de nos transformar, mas possibilitará que outros venham buscar sossego e ampara em nós, seremos capazes de acolher os que necessitam de apoio e ajuda em seu “voo” cotidiano.

Entretanto, toda essa transformação e esses desejados resultados estão sustentados em alguns aspectos. O primeiro deles é a qualidade da semente, cuja perfeição, assim como seu potencial, é infinita, por conta de sua divindade. Outro ponto é a universalidade do plantio, pois o semeador não escolhe pessoas para semear sua divina semente, ele a disponibiliza para todos os seres, cuja aceitação depende, única e exclusivamente, de cada um, respeitando, assim, de forma absoluta, a vontade e o livre arbítrio dado aos seres humanos. O terceiro refere-se ao terreno a ser semeado, suas condições de germinação e seu preparo contínuo, devendo ser “limpo” permanentemente, não deixando que o joio seja plantado, ou que “ladrões” do mundo roubem a semente do bem de dentro de cada um de nós, ou as sufoquem com as ilusões cotidianas do mundo. O quarto aspecto diz respeito a paciência, ponto em que gostaríamos de detalhar um pouco mais.

O senhor, dono do plantio, segundo a parábola de Jesus, não permitiu que fosse arrancado o joio logo após seu plantio, pois poderia com isso provocar a retirada da boa semente por engano, tendo em vista sua semelhante aparência, determinando paciência aos seus empregados. Que o tempo mostre, com o crescimento da plantação, a diferença entre o trigo e o joio. É necessário tempo para que a divina semente germine e cresça, mostrando-se presente e diferenciando-se do joio. É preciso saber esperar para que atitudes açodadas não levem à morte o trigo juntamente com o joio ou que, ao misturá-los no processamento, ocorra a contaminação do produto final.

Entretanto, não confundamos espera paciente com passividade. A paciência necessária para o aguardo da semente germinar e crescer requer cuidado, trabalho árduo e constante, e de enfrentamento contínuo com as ilusões do mundo. Com a passividade, própria da preguiça e do abandono, certamente ocorreria a morte da semente, ou a mistura indevida das plantas, ou ainda a aridez do terreno da plantação.

Vejam que combater o mal com o mal, a violência com as próprias ações violentas, intempestivas e temporalmente inadequadas, em nada ajudam no crescimento da boa semente, no desenvolvimento do bem em nosso meio. Porém, a paciência deve ser acompanhada de ações efetivas que possibilitem a semente germinar e crescer, permitindo que o bem cresça, fixe-se e expanda-se na humanidade. Assim, deve-se evitar tanto a agressividade contra o mal, violentando as pessoas na tentativa de se permitir o desenvolvimento do bem, como a passividade expectante, deixando que o terreno mal cuidado mate a plantação ou que as ervas daninhas tomem conta de todo plantio das pessoas. Há quem diga que a paciência é resistir com firmeza, contrapondo-se às desigualdades, aos preconceitos, às injustiças, aos conflitos, porém, sem que geremos mais conflitos e agressões. Atuemos firmemente e aguardemos os bons resultados em nós e ao nosso redor.

Busquemos sempre o exemplo de Jesus que jamais aceitou o mal, mantendo-se resistente em seu caminhar, mas pacientemente aguardando as transformações dos limitados corações humanos. Não nos esqueçamos das palavras de Paulo aos romanos: “a paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança” (Rm 5,4).

Nenhuma ação representa melhor a fé do que o exercício da paciência. Ela demonstra a certeza da presença de Deus em nós, respeitando a individualidade de cada um, permitindo que o bem cresça e produza frutos, sempre com a humilde entrega do amanhã nas mãos do Senhor juntamente com nossa luta diária, com a segurança de que sua ação é perfeita, apesar dos males que aparentemente nos são apresentados.

A presença do joio em nosso meio é uma realidade. Porém, é absoluta verdade que a boa semente plantada pelo Altíssimo é capaz de produzir amor, justiça, verdade e perdão. Da mesma forma que é inevitável a existência do mal, é inquestionável a possibilidade da disseminação do bem, com a conversão e transformação das pessoas, por pior que aparentam ser. Revistamo-nos, assim, como exortou Paulo aos colossenses, “de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura e paciência” (Cl 3,12).

Um fraterno abraço a todas e todos vocês.