"QUANDO FOI A ÚLTIMA VEZ QUE EU VI CRISTO SORRIR?"
TEXTO DE ABERTURA DO LIVRO: CRISTO ANO 2000
DE AMBROGIO FORNASIERO EDITORA LOYOLA 1982
Quando foi que eu vi Cristo sorrir pela última vez?
Palavras como estas escandalizam o homem da idade atual que vive num mundo opaco, que não lhe permite ver Deus.
A última vez que eu vi Cristo sorrir foi quando encontrei Marina, linda menina de cinco anos. Nunca a tinha encontrado antes, porque a mãe mudara-se para outra cidade, pouco antes dela nascer.
A mãe disse-me simplesmente: “É ela” A frase “é ela” me fez lembrar o dia em que a mãe trazia esta criança no ventre e comunicou-me a sua decisão de abortá-la. Ia tirá-la naquela mesma tarde. Já tinha marcado o apontamento com a morte, pelas mãos de um médico criminoso que destruía vidas dentro do ventre materno. Olhei de novo para a criança que continuava me sorrindo e não suspeitava os sinais de violência da clínica equipada para ela não ver a luz. Naquele rosto risonho não havia o eco da suspeita de que iam quebrar-lhe a espinha, os ossos, numa dor horrível e, ao mesmo tempo, estragar a sua enorme vontade de viver, a sua curiosidade de conhecer e a sua capacidade de amar.
“É um crime, senhora, o que está planejando”, disse. .”Como pode arrancar da vida este feto que foi feito para viver?
Ele tem o direito à vida e por nada no mundo deseja perder esse direito.”
“É ela”, repetiu a mãe, enxugando furtivamente uma lágrima com o dorso da mão, por medo de ser vista por Marina numa hora como essa. É desconcertante o fato de descobrir que é a criança que faz o adulto, e não o contrário. O sorriso de Marina indicava o fim do pesadelo de uma mãe. Toda essa batalha travada entre o direito dela de nascer e o propósito criminoso de outros de fazê-la desaparecer, agora foi varrida pelo sorriso instantâneo e franco de Marina.
Naquela hora, tive a intuição certa que era “ele”, o Cristo e não Marina, que dava o primeiro passo em direção ao ano dois mil.
COMENTÁRIO DO AUTOR
O livro “Cristo, ano 2000” representa uma alternativa à violência que se adensa como tempestade sobre esta geração que está no limiar do ano dois mil.
É o alerta do Mestre que diz: “Olhe em volta. Há um pobre homem caído na estrada, porque sofreu violência”. Você descobre que não é só na estrada de Jericó que há a presença de desgraçados caídos e pisoteados por seres humanos aos quais o Mestre chama de “íntimos” , ou seja, irmãos.
Os homens se destróem mutuamente, porque perderam o sentido da fraternidade universal. Os homens se tornam indestrutíveis, quando cedem ao encanto de chamar e sentir a todos como “irmãos”. Neste caso, estaríamos dando a arrancada certa para entrar no ano dois mil.
A arrogância da “imagem”, o novo ídolo das massas, se impõe como substituto à palavra e ao pensamento escrito. Nesta era da televisão o predominio do visual, me obriga a esboçar o perfil de Cristo em breves capítulos. Estes capítulos me dão as sensação do relâmpago, do “flash”. Iluminam a pessoa por um instante, só. Depois volta a penumbra. Espero que quem leia estas páginas tenha a sensação deliciosa e a euforia que eu senti ao criá-las.
Tenho plena convicção que, apesar dos limites deste perfil da personalidade de Cristo, ele partilha com você o dia-a- dia, por mais rotineiro e cansativo que seja o seu cotidiano. É só você dar continuidade ao diálogo por ele iniciado: “ Ei, tu, é a ti que eu falo”, diz o Senhor...