Estamos preparados para ser mensageiros da Verdade transcendental?
 
Irmãs e irmãos amados, que a paz divina esteja sempre presente na vida de vocês!
Pelo calendário litúrgico cristão ocidental, retorna-se nesse domingo (14/3/2020) ao chamado Tempo Comum, mais especificamente no 11º Domingo do Tempo Comum, cuja sequência de trechos bíblicos será utilizada para dar seguimento às nossas reflexões evangélicas.

Nesse domingo, é-nos indicado o texto do evangelista Mateus, narrando o envio dos apóstolos por Jesus para anunciarem o Reino, trabalho que deve ser feito, aprioristicamente, ao povo desamparado, desiludido, descrente e desesperançoso. Porém, os portadores dessa “mensagem”, que é muito mais um testemunho, devem fazê-lo de forma compassiva e gratuita, pois todas as virtudes necessárias para tanto foram por eles gratuitamente recebidas.

Convido, assim, a todas e todos vocês a refletirmos juntos sobre tais aspectos, após a leitura da passagem evangélica escolhida, que extrapolam um ensinamento pontual e específico, pois vão além dos limites da cristandade.

 
Vendo a multidão, ficou tomado de compaixão, porque estava enfraquecida e abatida como ovelhas sem pastor. Disse, então, aos seus discípulos: “A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua messe”.
Jesus reuniu seus doze discípulos. Conferiu-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar todo mal e toda enfermidade. Eis os nomes dos doze apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão. Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Filipe e Barto­lomeu. Tomé e Mateus, o publi­cano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor. Estes são os Doze que Jesus enviou em missão, após lhes ter dado as seguintes instruções: “Não ireis ao meio dos gentios nem entrareis em Samaria; ide antes às ovelhas que se perderam da casa de Israel. Por onde andardes, anunciai que o Reino dos Céus está próximo. Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. Recebestes de graça, de graça dai!”. (Mt 9,36-10,8)

 
Em nossa reflexão de hoje, convido vocês para bebermos juntos da fonte evangélica, não somente os cristãos, mas todas as pessoas, pois nossa vinda para este mundo, sem exceção, tem a finalidade precípua do contínuo crescimento espiritual, findando esta vida melhores do que nela chegamos e, por conseguinte, testemunhando, onde estivermos, a divina mensagem da harmonia, do amor e da paz entre os seres. Pelo intermédio de cada um, a cada passo, pode ser demonstrada a presença permanente de Deus no mundo e a vontade que Ele tem de oferecer à toda humanidade a possibilidade de sua evolução, com vistas à salvação, à auto-realização, ou à plena iluminação. Não podemos esquecer que a intervenção divina na história humana se concretiza por meio dos que se disponibilizam a testemunhar sua sempre presença, pois todos são enviados para tal missão, sem escolhas ou exclusões, dependendo apenas da opção individual em ser sinal vivo e testemunha da infinita compaixão e do ilimitado amor divinos.

O trecho entre 9,36 a 11,1 do Evangelho segundo Mateus é reconhecido como o “discurso da missão”, um verdadeiro “manual missionário” no qual os discípulos, presentes e futuros, são enviados por Jesus para anunciarem a presença do “Reino”. O envio dos doze não se limita aos que estavam no momento com o Mestre, pois, na numerologia judaica, utilizada pela Bíblia cristã, o número doze representa “totalidade” que, no caso, está apontando à totalidade da criação que está imbuída de levar a proposta da salvação a todos os seres de todos os tempos. Eximir-se de ser transmissor do divino amor é uma escolha pessoal, mas todos somos convidados para desempenhar essa tarefa.

Lembremo-nos de que Mateus escreveu o seu Evangelho por volta da década de 80 do primeiro século da era cristã, dirigindo-se a uma comunidade extremamente entusiasmada e empenhada na prática missionária de testemunhar a boa nova, em que pese a grande dificuldade no anúncio do Evangelho à época, tendo em vista a ostensiva e violenta perseguição que se estabelecia contra os que pregavam mudanças no status quo da sociedade contemporânea. Sem dúvida, pode-se até não ser utilizado o mesmo estilo de violência, mas a opressão àqueles que buscam a justiça e a equanimidade entre os seres pode ser, ainda hoje, claramente percebida, o que não é justificativa para fuga ou desistência desse caminhar. Esse é o “mundo”, sobre o qual Jesus, e diversos mestres espirituais, referem-se que deve ser enfrentado para a concretização de mudanças necessárias em direção à verdadeira vida plena para todos.

Antes de entrarmos na missão em si e nas condições para sua realização, chama-nos a atenção dois termos que aparecem no trecho evangélico de hoje e que nem sempre são claramente entendidos – discípulo e apóstolo. Ao buscarmos a origem de tais palavras, encontramos, respectivamente, aprendiz e mensageiro, ou seja, o discípulo mantem-se próximo do mestre para aprender com ele, visando apropriar-se de novos conhecimentos e renovadas atitudes. O apóstolo, entretanto, é enviado para transmitir uma determinada mensagem a um grupo de pessoas, a destinatários específicos. Ocorre que ele não atua por conta própria, levando informações que bem entende ou deseja, pois para ser apóstolo, a pessoa deve imbuir-se da mensagem a ser transmitida, vivenciando-a continuamente e a testemunhando de forma correta e fiel.

No caso em questão, o apostolado indicado por Mateus está vinculado à mensagem do “Reino”, que deve ser encontrado em cada um de nós, para que possamos dar a ele continuidade e expansão. Guiados pela luz divina e fortalecidos pelo Espírito de Deus, somos renovados, a princípio, para que possamos levar o exemplo adiante, com vistas à transformação do mundo que nos cerca, construindo a plenitude do amor e da paz entre os seres. Assim, o apóstolo da Verdade transcendental precisa, primeiro, dela se apropriar, vivê-la em seu dia-a-dia, para que possa com propriedade transmiti-la por meio do testemunho cotidiano.

Não nos esqueçamos que o “Reino” do céu está no interior de cada pessoa, ou seja, sua imanência é absolutamente acessível a todos e todas, basta abrir mão de nosso pequeno e limitado ser, das mazelas que nos aprisionam, do apego às coisas e situações ilusórias do mundo e irmos ao encontro do Ser em nós presente, do seu “Reino”, cuja expansão é de nossa corresponsabilidade. Sem dúvida, o verdadeiro apóstolo missionário testemunha sua vivência com Deus, pois não apenas prega sobre conhecimentos construídos em seu intelecto.

Ocorre que, para a adequada prática apostólica da divina Verdade, levando harmonia, amor e paz a todos os seres, estimulando-os ao viver renovado, dois pré-requisitos são essenciais: compaixão e gratuidade.

É muito importante que a nossa prática missionária seja impulsionada pela empatia e compaixão pelo próximo, movendo-nos por meio do amoroso sentimento fraterno pelos seres. Caminhamos com o propósito de servir, de levar o amor e a paz a todas as pessoas, não apenas com discursos, mas essencialmente por atitudes, independente da pessoa com quem temos contato.

A maior atenção àqueles que estão próximos de nós, parentes ou não, nem sempre é lembrada e atraente, pois com frequência buscamos, fora de nosso meio, dar aquilo que esquecemos de transmitir dentro do círculo familiar. Tereza de Calcutá já dizia: “Quer fazer algo para promover a paz mundial? Vá para casa e ame a sua família”. Porém, o mesmo amor que devemos destinar aos mais próximos e amados, deve ser a base para o nosso relacionamento com os desconhecidos e, até mesmo, com os nossos desafetos, pois o mesmo Deus que habita em nós, em nossos entes queridos, também habita nos seres que, à princípio, apartaríamos de nossa vida e, as vezes, até equivocadamente desprezaríamos, tendo em vista o crítico julgamento do outro ser um dos males que carregamos em nossa vida, esquecendo-nos, orgulhosamente, que possuímos defeitos idênticos ou piores. Lembremo-nos sempre, não há previamente escolhidos ou excluídos para o amor divino e como apóstolos dessa Verdade igualmente devemos agir.

Além da compaixão, devemos ser movidos também pelo espírito da gratuidade, associado ao sentimento do desapego, isto é, reconhecermos que tudo é dádiva divina e nada, de fato, nos pertence, até porque, ao partirmos deste mundo, tudo permanece, tudo é deixado para traz. Normalmente, atentamo-nos ao apego material e até conseguimos compreender a importância de evitá-lo, mesmo que, na maioria das vezes, somos incapazes de conseguir. Porém, quando nos é focado o apego intelectual, a vaidade de sentimentos e atitudes consideradas com nobres, o orgulho de certos êxitos em nossa vida, não atentamos que tudo isso é apego e dos mais difíceis de serem removidos. Até mesmo a realização de boas atitudes, consideradas como caridade, se feitas com a intenção de algum ganho posterior, mesmo que seja a evolução pessoal, deixa de ser gratuita e passa a ser movida por alguma intencionalidade. Assim, para que nos mobilizemos à prática do apostolado da Verdade divina com gratuidade, precisamos entender que o que nos move não é algo nosso, não é virtude pessoal, tampouco devemos receber qualquer tipo de ganho como retorno, pois são dons gratuitos recebidos do Altíssimo. O que deve nos impulsionar é somente o transbordar do amor divino.

A essa altura, cabe trazermos a bela reflexão de Paramahansa Yogananda sobre o envio dos apóstolos por Jesus para testemunharem o “Reino”. Lembra-nos, o citado mestre indiano, que os enviados não eram portadores de títulos acadêmicos, tampouco frequentadores de cursos aprofundados sobre o assunto a ser transmitido. Eles foram preparados para que “pregassem o evangelho mediante o exemplo de suas próprias vidas espiritualizadas (...), e também com a bênção da graça que ele [Jesus] lhes concedeu”. Assim, cada um dos enviados foi suprido em igual medida, a resposta e as ações, porém, são individuais, recebendo e manifestando os ensinamentos de forma diferente, com o grau de espiritualidade de cada um, realidade que igualmente se mantém em cada um de nós.

Atentemo-nos à nossa missão de apóstolos da Verdade transcendental em nosso meio e o quanto estamos disponíveis e preparados para o seu desempenho.  

Um fraterno abraço,
Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 15/06/2020
Código do texto: T6978290
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