Se Deus é bom, por que devemos temê-lo?
"Digam agora os que temem ao Senhor que a sua benignidade dura para sempre." (Salmos 118.4)
O Salmo 118 repete cinco vezes (v. 1-4 e 29) que a benignidade do Senhor dura para sempre. Não importa o que aconteça, não importa se não fica evidente aos nossos olhos, Deus é continuamente bom, sua gentileza e amabilidade são grandes com o Seu povo. Ele se lembra de nós, para que não sejamos abalados (Sl 112.6). Ele faz uma aliança eterna com os justos, para nunca lhes deixar de fazer o bem (Jr 32.40), e Ele nunca se esquece dela, dando-nos tudo o que precisamos continuamente (Sl 111.5).
Temos garantia da bondade eterna de Deus porque Ele se alegra em fazer o bem, pois isso manifesta como Ele é glorioso (Sl 104.31), como Ele é belo, como Ele é sublime. Ele continuamente honra a si mesmo manifestando misericórdia a nós; por isso nem as nossas maldades podem fazê-lo desistir do Seu amor, de modo que, quando se trata do Seu povo, Ele "não reprovará perpetuamente, nem para sempre reterá a sua ira" (Sl 103.9).
Isso significa que essa bondade perene de Deus é real mesmo nos momentos de sofrimento. Logo após convocar um louvor a Deus pela sua benignidade nos versículos 1-4, o salmista diz: "Invoquei o Senhor na angústia (...)". A bondade de Deus não o livrou de passar por momentos de profundo sofrimento. Para ele, Deus era benigno não porque impediu que a dor, que a angústia, que o terror viesse, mas por tê-lo livrado DEPOIS que o mal caiu sobre ele. O Salmo 116 estende esse pensamento: "Os cordéis da morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza. Então invoquei o nome do Senhor, dizendo: Ó Senhor, livra a minha alma. Piedoso é o Senhor e justo; o nosso Deus tem misericórdia" (3-5).
Embora Deus seja continuamente bom, a Bíblia frequentemente diz que nós devemos temê-lo. O salmo 118 mesmo, em seu convite a louvarmos a Deus, inclui "os que temem ao Senhor" (4). A amabilidade de Deus não o torna menos digno de respeito, menos assustador, menos temível. Um dos motivos disso é que a benignidade do Senhor não diminui em nada a Sua justiça. Isso significa que o fato dele ser bondoso para com aqueles que acham graça aos Seus olhos o torna um grande perigo para aqueles que se opõe a eles: "Todas as nações me cercaram, mas no nome do Senhor as despedaçarei" (10). O fato de Deus ser bom significa que Ele destrói aqueles que se levantam contra o Seu povo, aqueles que se opõe aos Seus planos amorosos, seja por meio de pessoas, como é o caso desse versículo, seja por quaisquer outros meios que Ele quiser manifestar a Sua ira.
Esse temor não é como o medo que temos de uma ameaça, mas também é muito mais do que um mero respeito. É como você estar dentro de uma caverna em uma montanha, e lá fora uma tempestade aterradora, daquelas cujo vento é tão forte que poderia te jogar montanha abaixo facilmente, ou cujos raios que atingem a terra em abundância podem facilmente transformar um ser humano em pó dolorosamente. Você está seguro na caverna, que é a bondade de Deus, mas teme a tempestade, não porque ela te ameace, mas porque entende o quão terrível, maravilhosa, poderosa, furiosa, gloriosa ela é, de maneira que você não teria a menor chance contra ela.
Os que temem ao Senhor não precisam vê-lo como uma ameaça, ao contrário dos ímpios, porque Deus promete abençoá-los (Sl 115.13). Eles podem confiar no Senhor, porque Ele ajuda e defende os que O temem (Sl 115.11); aliás, não há como temer a Deus da maneira como a Bíblia espera de nós sem confiar Nele, nem há como confiar no Senhor da maneira que Ele deseja sem temê-lo.
Por isso, temer ao Senhor inclui não temer outras coisas: "O Senhor está comigo; não temerei o que me pode fazer o homem" (Sl 118.6; cf. Sl 56.4, 11). Quando qualquer coisa nos ameaça, a atitude correta daquele que teme a Deus é lembrar-se da bondade Dele, e confiar Nele (Sl 56.3). Sim, é muito fácil nos lembrar da bondade do Senhor na tranquilidade; e, embora mais difícil, aqueles que conhecem a Deus se lembrarão da Sua bondade nos momentos de dor. Mas a consciência da benignidade divina deve estar tão entranhada no nosso coração que, quando algum perigo se levantar contra nós, nossa REAÇÃO automática deve ser voltar nossa mente à confiança em Deus. Quando nossa fé alcança esse nível de maturidade, nós experimentamos paz e descanso inabaláveis. Essa fé madura descansa no fato de que, se estamos debaixo da bondade divina, nada realmente nos ameaça, porque tudo o que acontece com o povo de Deus contribui para o bem dele.
É assim que a consciência de que Deus é terrível e a consciência de que Deus é bondoso se encontram: na confiança tranquila Nele. "O Senhor está comigo entre aqueles que me ajudam; por isso verei cumprido o meu desejo sobre os que me odeiam. É melhor confiar no Senhor do que confiar no homem. É melhor confiar no Senhor do que confiar nos príncipes" (Sl 118.7-9). Ainda que todas as nações do mundo cercassem aqueles que temem a Deus como abelhas, elas seriam rapidamente estraçalhadas (11-12). Elas poderiam usar todo o seu poder contra o povo de Deus, mas o Senhor o ajudaria (13). Essa é a dupla face da bondade de Deus: graça os que confiam nela, e ira aos que se opõe a ela.
Nesse sentido, podemos entender o temor a Deus como o medo de se afastar Dele, de se opor ao Senhor, de sair do caminho de amor, bondade, alegria e paz que Ele tem para os justos. Não por que nossa segurança esteja em nossas próprias mãos, mas "o Senhor é a nossa força" e a nossa "salvação" (14). Deve nos assustar o fato de que, se Deus nos entregar ao nosso próprio poder, nós nos desviaremos de Sua bondade; e deve nos assustar o fato de que, se Ele for a nossa força, a maravilhosidade do Seu poder infinito está operando em nós. Nas palavras de Filipenses 2.12-13: "(...) operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade".
A mão do Senhor faz coisas maravilhosas e assustadoras a favor dos justos e contra os injustos (Sl 118.15-16). Mais do que isso, aos justos é concedido também o poder de fazer grandes coisas no nome do Senhor (Sl 108.13). O temor, nesse sentido, seria a consciência de que Deus, em sua bondade, nos dá toda a capacidade que nós temos para fazer qualquer coisa, de maneira que sem Ele não conseguiríamos fazer nada, e nos dá até mesmo a força para fazer o que não poderíamos fazer por conta própria.
Por isso o temor ao Senhor inclui uma certa ousadia baseada, não na nossa própria capacidade, mas na bondade de Deus. Ousadia para até mesmo estarmos tranquilos ainda que o mundo todo se revolte contra nós. Essa é a vida que Deus espera de nós, a vida verdadeira, que é a vida orientada pela sabedoria que tem o temor como fonte (Pv 9.10). Essa é uma vida eterna: "Não morrerei, mas viverei" (Sl 118.17), porque só é verdadeira se baseada em Jesus Cristo, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. A confiança daquele que teme a Deus é tão grande que ele sabe que nem mesmo a morte pode impedir que o povo de Deus se alegre Nele para sempre, pois Ele nos dá vida (Sl 85.6).
Todo esse poder terrível de Deus está disponível a nós mediante a oração (Sl 118.21). Deus pode nos permitir mesmo sermos abocanhados por um leão, mas até lá ele nos ouvirá e pode intervir com sua mão maravilhosa (Sl 22.21). Não precisamos ter medo de que Deus não nos ouvirá, se orarmos em nome de Jesus Cristo, mas podemos ter o santo temor justamente pelo fato de que o grandioso poder de Deus está ao nosso alcance pela fé.
Aqueles que temem a Deus também sabem que a bondade Dele também inclui a disciplina aos Seus filhos. Ele nos castiga, e às vezes de maneira muito dolorosa, para que não sejamos entregues à morte (Sl 118.18). Assim, nós tememos o Seu castigo, não como quem teme a condenação de um juiz cruel, mas a disciplina amorosa de um pai que sabe o que é bom para os seus filhos, ainda que esse "bom" nos faça chorar. O salmo 94 chama de bem-aventurado, por isso, o homem a quem o Senhor trata dessa forma, disciplinando-o como a um filho, pois ele aprenderá a lei do Senhor para ter descanso nos dias maus, sabendo que nada pode lhe ameaçar se o Senhor é seu Pai.
Isso porque o temor nos ensina que para termos acesso a Deus precisamos passar pelas "portas da justiça" (Sl 118.19), "a porta do Senhor, pela qual os justos entrarão" (20). Assim, o Senhor, amorosamente, nos disciplina para nos santificar, a fim de que possamos nos relacionar com Ele e desfrutar plenamente de tudo o que Ele é para nós em Jesus Cristo. É motivo de alegria, portanto, se Deus está nos conduzindo a um caminho estreito e doloroso, pois esse é o caminho que leva à vida.
Aos que não praticam o bem, por sua vez, o Senhor os entrega à sua própria maldade, e ainda "acrescenta iniquidade à iniquidade deles" (Sl 69.27), para que sejam condenados. Os justos verão isso, e temerão, não porque se sentirão ameaçados por Deus, mas por ver o que acontece com aqueles que rejeitam a bondade divina. "E se rirão dele, dizendo: Eis aqui o homem que não pôs em Deus a sua fortaleza" (Sl 52.6-7).
Não precisamos, portanto, ter medo de sermos rejeitados pelos homens. Mesmo Jesus Cristo foi rejeitado pelo próprio povo de Deus: "A pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a cabeça da esquina" (Sl 118.22). Aqui chegamos à essência do Evangelho, o motivo por que devemos confiar na bondade de Deus, temê-lo e confiar Nele: Jesus Cristo sofreu não somente a rejeição, mas tudo aquilo que nós precisávamos sofrer como castigo pelos nossos pecados em nosso lugar para que pudéssemos viver eternamente seguros da benevolência de Deus em relação a nós.
Se nós estamos ligados a Jesus Cristo pela fé, se nossa vida está firmada nessa Pedra, se Ele habita em nós, todos os pecados que cometemos ou ainda iremos cometer já foram perdoados. Por isso Deus nunca pode ser uma ameaça para nós. Nosso temor flui da fé em Cristo, e não da possibilidade da ira divina cair sobre nós. Pode parecer bom demais para ser verdade, mas isso que é o assustador do Evangelho: "Da parte do Senhor se fez isto; maravilhoso é aos nossos olhos" (23).
Esse temor, portanto, nos conduz para perto de Deus, e não para longe. Mais do que isso, Ele nos enche de alegria na Sua bondade (Sl. 90.14, 118.24), enquanto os que rejeitam a graça ficarão envergonhados (Sl 109.28), os que não obedecem aos mandamentos terão que calar a boca (Sl 107.42). Se o teu temor a Deus é triste, rancoroso ou amargo, não é o temor que Ele espera dos Seus filhos, pois não se baseia no amor à bondade, mas no pecado.
O temor santo não é opressor ou escravizante, mas libertador, de todo medo, de tudo o que é mau, inclusive do homem perverso, e do que explora o pobre (Sl 109.31). Se algo te assusta, se algo te oprime, se algo te ameaça, clame ao Senhor, busque a Sua bondade em oração pela fé em Jesus Cristo, e Ele te escutará e virá com salvação sobre você.
O santo temor nos livra até mesmo da ingratidão, uma vez que nos impede de esquecer de como Ele demonstrou Sua bondade a nós no passado. Israel foi condenado por isso, pois "esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que fizera grandezas no Egito" (Sl 106.21). Se a lembrança daquelas maravilhas que Deus fez no Egito, as Dez Pragas, e a abertura do Mar Vermelho, estivesse bem viva na mente deles através do temor, eles não teriam se desviado da forma que fizeram logo depois que essas coisas aconteceram.
Finalmente, o salmo 118, como toda a Bíblia, nos conduz a Jesus Cristo. Podemos ver Nele diversas outras referências diretas ou indiretas ao Evangelho. Por isso, Jesus Cristo é a resposta de por que nós devemos temer a Deus mesmo que Ele seja bom. Ele é o único digno de ser louvado. Ele é quem nós invocamos quando precisamos ser salvos. Ele é quem está conosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Ele é quem nos protege de todo mal. Ele é aquele que despedaça os inimigos de Deus. Ele é aquele por cujo nome todas as forças da maldade serão aniquiladas. Ele é nosso Ajudador. Ele é a nossa força, o nosso cântico e a nossa salvação. Ele é o poder do Senhor para fazer proezas. Ele é quem nos dá vida eterna. Ele é quem nos livra da morte. Ele é a porta da justiça, a porta do Senhor, pela qual os justos entrarão. Ele é a nossa prosperidade. Ele é aquele que é bendito eternamente desde a casa do Senhor. Ele é o Senhor que nos mostrou a luz. Ele é a vítima amarrada com cordas para ser sacrificada no altar para a nossa salvação. Ele é o nosso Deus.
O salmo 118 é sobre Jesus porque em Jesus a bondade de Deus, a justiça de Deus, o poder de Deus, tudo o que Deus é, é manifestado plenamente. É a Jesus que devemos louvar e temer. Ele é a caverna onde nos escondemos da ira de Deus, mas Ele também é a tempestade do Seu furor. A prova de que tememos a Deus é que obedecemos a Jesus, e nós obedecemos a Jesus honrando a Deus em tudo e fazendo bem ao nosso próximo em todo tempo, como Jesus nos instruiu.
Jesus nos ensinou a temer a Deus não como um adversário, mas como a um Pai. Por isso, nós tememos a Deus PORQUE Ele é bom. Sua bondade gera em nós respeito, admiração e reverência diante de algo incomensuravelmente superior a nós. E tanto esse temor quanto essa compreensão da bondade divina só são possíveis a um pecador filho de Adão pela fé em Jesus Cristo. Portanto, arrependa-se de seus pecados e creia no Evangelho, ou seja, tema ao Deus revelado em Jesus, e você experimentará toda a Sua assombrosa bondade.