ANÁLISE DA HISTÓRIA DO RICO E O MENDIGO
Indica ser uma parábola como tantas outras proferidas por Jesus. Mas o Novo Testamento não especifica a história contada como uma parábola. O registro se inicia com Jesus simplesmente dizendo: Ora havia certo homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo...
A história nos mostra dois homens em situação completamente opostas. Um rico que ostenta suas riquezas vestindo-se opulentamente; sua rotina era recrear-se, divertindo-se, aproveitar todo o bem que suas posses lhe proporcionava. O outro, ao contrário, sobrevivia a duras penas mendigando seu pão à porta da casa do homem rico. Sua miséria era tal que seu corpo estava coberto de feridas e os cães, seus únicos parceiros de infortúnio, lambiam-nas.
Então, o destino comum a todos os viventes chega a ambos. O mendigo, talvez em virtude de suas muitas privações e doenças, morre miseravelmente como viveu. Talvez tenha sido levado a uma vala comum, numa cova sem nenhuma lápide, sem a despedida de ninguém exceto algum dos cachorros que o acompanhavam. Talvez seu cadáver só foi talvez, descoberto quando o odor de seu corpo, que já fedia quando estava vivo, tornou-se absolutamente insuportável e alguém resolveu expulsá-lo dali, só então se deu conta que estava morto.
O rico também morreu, não se sabe em consequência de quê. Parecia ser um homem tão cheio de saúde! Ainda jovem, mas um mal súbito e seu coração parou sem dar aviso. Ao contrário do mendigo, o sepultamento deste homem foi cheio de pompa. As ruas ficaram intransitáveis enquanto o cortejo fúnebre seguia para seu luxuoso túmulo. Seu funeral, cheio de belas e comoventes homenagens, deve ter durado o dia inteiro. Uma comoção geral. Na cidade, luto oficial.
Porém, a experiência pós morte de um foi indesejavelmente diferente para o outro. Jesus conta que o mendigo foi conduzido ao seio de Abraão. Porque ao seio de Abraão? Porque não de Jeová? Muito provavelmente Jesus pretendia ensinar uma lição a um público específico: os judeus. Por isso Abraão tem um amplo destaque na narrativa. Considerado o personagem mais importante entre os religiosos da época, o pai de toda a nação israelense, aqui se apresenta como uma entidade de grande autoridade espiritual. O rico, conta Jesus, foi enviado ao inferno. Lá, estando em tormento, ergueu os olhos e viu Abraão e reconheceu o outrora desprezado mendigo ao seu lado. Interessante o fato do, outrora rico, reconhecer Abraão como seu grande ancestral. Indica que o tal era judeu, conhecedor das tradições, da cultura e da lei dos hebreus. Reconhece também, Lázaro, o mendigo, o que indica que ele conhecia sua triste história. Aquele homem, porém, nunca conheceu a Deus. Ele não o identificaria se o próprio aparecesse à sua frente. Mas, reconhecendo Abraão, pediu misericórdia e cheio de uma humildade que só agora se manifestaria, pede que o pai de todos os hebreus mande Lázaro lhe refrescar a língua com uma gota de água na ponta do dedo. Na ponta do dedo daquele que na terra, vivia com as mãos ensebadas, imundas e descarnadas e repletas de feridas, as quais lhes causavam asco.
A angústia daquelas palavras não comove o coração do grande patriarca que replica: “Lembra-te de que recebestes os teus bens em tua vida...”. Recebeste? Recebeu de quem? “Lázaro...” continua Abraão “igualmente os males”. Aqueles dois homens são símbolos de dois destinos mostrados nos seus aspectos mais extremos. Quem vivia no extremo da miséria humana, agora era recompensado com paz e conforto de alma. Quem vivia na opulência e no luxo que a riqueza terrena pode proporcionar, agora gemia numa vida de tormentos e dor. Abraão diz ainda ao desafortunado homem no inferno: “Não pode Lázaro ir ajuda-lo, assim como e impossível que possas vim até ele. Pois, um abismo vos separa”. Antes era o abismo da indiferença que os separava na terra. Um abismo tão profundo quanto o que agora estava estabelecido entre ambos, pois o ex-rico não fazia caso do mendigo.
Abraão foi, acima de tudo didático ao explicar a razão pela qual o ex-rico foi parar no inferno enquanto o ex-mendigo, foi parar no céu de glória. E ao explicar a impossibilidade de contato físico da realidade de um para com o outro, revela que mesmo que quisesse, não poderia, indicando que aquela barreira fora imposta por alguém que estava muito acima dele.
Diante daquela cruel circunstância, o ex-rico, lembra-se dos irmãos. Apesar de todos eles viverem dissolutamente como ele próprio, não pensou só em si mesmo como outrora em vida. Agora mostrava-se completamente destituído de todo egoísmo e ao invés de desejar que lhes viessem fazer companhia, implorou a Abraão que mandasse Lázaro a sua casa paterna, para que alertassem seus irmãos a respeito daquele lugar de grande tormento. “Eles têm as leis mosaicas e os profetas que as pregam” disse o patriarca. Ao que replicou o jovem: “Não, Pai Abraão, se alguém despertar dos mortos e for até eles, certamente se arrependerão.
Estas palavras carregadas de esperança, talvez escondesse o desejo daquele que falava de ele próprio ser ressuscitado e assumir a missão de salvação fraternal. Mas talvez fosse a mais pura expectativa de ver salvos seus antigos familiares. Contudo, sua compreensão e o conhecimento que tinha de como pensavam seus irmãos, o fazia imaginar que uma pessoa que se erguesse da morte seria prova definitiva e convincente para uma eventual conversão.
Porém, Abraão lhe respondeu: “Se não se deixarem convencer pelas palavras da lei de Moisés e pelas profecias, tão pouco se deixarão convencer mesmo que recebem a visita de alguém que ressuscitou dos mortos.” Abraão esfacelou todo o resto de esperança do ex-rico com tais palavras, este tinha consciência do quão duro era o coração dos irmãos. Ao ouvir essa sentença do grande patriarca se deu conta de não adiantava mais insistir. Sua sede só aumentou, a angústia se exacerbou e ele entendeu, por fim que no inferno não há espaço absolutamente nenhum para a ESPERANÇA.
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