O mestre no nordeste
Guiado pelas estrelas um mestre vaga no jejum da noite e na sede do deserto.
Como um eremita o mestre caminha em busca da luz espiritual.
O deserto em que caminha fica no nordeste de terra dura e sofrida. O mestre anda pela seca, experimenta o vazio da fome, sente a desidratação no corpo, respira o ar miserável da pobreza.
Após longos dias de caminhada, o mestre senta-se para meditar na terra batida, ao lado de uma ossada de gado. Após fechar os olhos, o mestre sente tocar em seu rosto uma brisa fria de vento, logo o sol nasce. Ao abrir os olhos o mestre sente o sol queimar teu corpo.
Ali naquele nordeste, quando os primeiros raios de sol se chocaram no rosto do mestre ele compreendeu a verdadeira essência da busca espiritual:
- Passei todo esse tempo meditando, de jejum e com sede, passei tanto tempo no sol e só agora que o sol queimou o meu rosto após uma noite longa, foi só agora que eu notei a sombra e a sua falta. Passei todo o tempo buscando pela luz e não notei que sem a sombra não poderia chegar a iluminação.
Foi a partir dessa reflexão que o mestre compreendeu o verdadeiro sentido da busca espiritual. Todos os dias ele voltava naquele mesmo lugar com sementes e mudas de árvores, plantando na terra seca uma por uma. Todo dia ele buscava água a quilômetros de distância e trazia a água em um cantil para regar muda por muda. O mestre nunca bebia da água, passava sede para poder molhar cada semente plantada. Muitas mudas morreram durante o processo, mas o mestre foi insistente e todo dia estava debaixo do sol quente do nordeste plantando e cuidando das pequenas sementes.
O mestre passou fome, passou sede, sentiu calor, mas não desistiu, continuou dia por dia a cultivar cada muda.
Ao passar dos anos, quando já estava com a idade avançada o mestre voltou naquele mesmo lugar. Agora sentado numa sombra debaixo de uma árvore o mestre medita:
- Tanto tempo de dedicação na minha busca espiritual... Caminhei como um eremita no sol do nordeste, no jejum, na sede e no vazio. O sol resplandecia querendo me mostrar algo, mas eu não enxergava, só pensava na minha busca pela luz. Então eu descobri o poder da sombra e que eu não conseguiria chegar a iluminação sem ela. Quando notei que neste local de terra seca faltava sombra, minha vida mudou. Hoje em uma floresta de sombras no meio da luz do nordeste tenho frutas para me alimentar, nascentes que tiram minha sede e tenho as sombras frescas das árvores. Se eu continuasse minha caminhada em busca da luz, sacrificando meu corpo, nunca notaria a falta da sombra. Hoje percebo que as sombras fazem parte do processo da vida.
Reflexão: As vezes buscamos tanto a espiritualidade na luz, focando em nossa própria busca, que esquecemos das interferências externas e as sombras ao nosso redor.
Quando buscamos demais a luz não percebemos a essência da sombra. Se você reconhece a sua própria sombra você faz parte do todo, você tem luz o suficiente para agir e mudar tudo ao seu redor.
A mudança para um mundo melhor está em sua própria luz. Até nas sombras a luz pode brotar.