O cacique ergue três tendas. O dono da venda aparece brincado com um tatu-bola. O tatu rola... Escapa das mãos do goleiro. A torcia grita: ‘goooool...’ O time do tatu perdeu. Ganhou o time do santo.
— São Jerônimo acudiu-me. Honrou seu nome — Disse Jerônimo.
Doutor Adilson confere o registro na pia batismal. Norberto é seu nome no céu.
— Não aceito purgatório, disse a mulher de Norberto.
— Direto pro céu? Isso é que é ter fé. Com que nome entraste aqui? Quis saber Norberto, que é o mesmo Adilson, que é o mesmo Dílson...
Edna fez-se de não entendida.
— Tem visto Dilsinho por aí?
— Está brincando com os irmãos.
— Brincando? Ele já tem Neto.
— Aterrissa, Menina. Estamos no ano de mil e novecentos e tempos atrás. Nossos filhos ainda são pequenos. Olha o dinamismo do Dilsinho. Aquele menino vai longe, logo o nome da família constará da história e memória de Montes Claros.
— Desde pequeno ele foi assim, decidido. Não há distância que seu braço não alcance. E quando toma uma decisão... Até ameaçou processar Generoso, se este declinasse o verdadeiro nome de seus personagens no livro que o poeta e fazendeiro escreveu com a caneta na mão da neta.
— Edna, psicografia é uma farsa. No céu tudo é verdade. A mentira não prevalece.
— Não é psicografia, Dílson.
— Ora, se Generoso depois de passar para o outro lado da vida, escreveu com a pena na mão da neta, não é psicografia?
— Ô, meu Cheiro! Tudo estava escrito. A menina apenas organizou a obra. Acrescentou alguma coisa que só era conhecida na oralidade. Generoso é a própria história de Juramento.
Robert pega o pequeno livro da mão do anjo que está sobre o mar e escreve ali ao lado do nome de Ravenala Palmeira, “Devota de Nossa Senhora do Rosário.”
— Quem é esta? Não conheço a história dela! Não acrescentes nada, sem prévia averiguação — disse São Miguel Arcanjo.
— Já estava escrito: ‘Esta menina será frondosa como uma palmeira, e quando soprar o vento Norte, navegará os sete mares e será muito aplaudida. O som de seu trompete é um acalanto para a alma de quem dela se aproxima, e toda a Terra conhecerá seus feitos.’
— Que fez ela para merecer o céu?
— Acalmou almas aflitas com o som de seu trompete.
—Minutos atrás tinha dois maridos — Protestou o Anjo da Morte.
— Preciso consultar o Mestre — disse o outro anjo deixando sua balança no balcão de atendimento.
— Mestre eis mais um pedido de averbação.
— Ela não está limpa, vociferou o Anjo Negro.
— Esta é aquela que estava sendo levada, à zona de prostituição.
— A contragosto — disse suavemente o Bom Pastor.
Novamente, o acusador ergueu a voz:
— É culpada por pecado grave.
Levanta-se a Defensora dos Aflitos.
— Meu filho, esta alma, recorreu a meu auxílio. E muita rosa me enviou sob a forma de oração.
O Bom Pastor pôs o polegar direito sobre uma gota de sangue que escorria de sua testa, selou a averbação com o símbolo real, confirmando o que dissera a Ravenala quando a resgatou da sombra morte, na Vila Mimosa: ‘Filha, vou te levar à casa do Pai.’
Robert afastou-se levando consigo o livro para colocar na mão do anjo que fica sobre o mar. A anotação fora averbada à margem do Batismo com os dizeres: “Devota da Rainha do Santo Rosário.”
Cenas de memórias passadas retomam a mente. Robert vê pássaros nicando frutos na velha mangueira da casa de Corina. Eram suas lembranças da infância na Tijuca. A velha mangueira sobreviveu ao tempo e à solidão. Nova geração de maracanãs faz algazarra. E duas meninas recolhem mangas maduras em um cesto.
— Sonho ou fantasia? Afinal, o que é realidade? O que é fantasia? É possível entrar sonhos de outra pessoa? “Talvez, futuramente, sim. Mas, enquanto a teoria não estabelecer seu domínio na praticidade, o controle voluntário sobre os neurônios temporal humano não passará de conjectura.” Haja vista, que Ravenala nunca fora a Campo Grande. Sua mãe mudara-se de Minas Gerais, ainda nos cueiros, mas, memórias passadas, trazem-lhe à lembrança as grandes enchentes do rio Saracura. Essas imagens, mais tarde transferidas por Corina para o córrego Maracanã, invadiram o inconsciente da neta, e por iniciativa involuntária dela, essas imagens navegavam em seus sonhos.
— Vi este lugar antes, disse ao pai, na primeira vez que estivera na Quinta da Boa Vista.
— Minha filha! Nunca vieste aqui! Também ainda não foste a Campo Grande, mas, um dia irás conhecer a primeira morada de teus ancestrais e verás que muita coisa vai parecer-te familiar.
Quando o pai lhe dissera isso, ela ainda era pequena e não compreendeu. Mas criança não questiona o inquestionável. Simplesmente, deu uma mordida no algodão-doce e pediu água de beber. É certo que a palavra é capaz de transformar sonho em realidade, e ficção em verdade absoluta. Se viajarmos no fantástico mundo da imaginação, torna-se possível penetrar o insondável. Tudo depende da tinta com que se pinta a aquarela da vida. O bom orador transforma palavras em imagens; e o sonhador, fantasias em realidade.
— Em teu passado, nada podes mudar, mas podes reescrever os próximos capítulos da história, submetendo-a à experiência dos erros cometidos.
Fechou o arquivo de suas lembranças e questionou: “ Como o tempo voa!... Se o pai fosse vivo estaria com cem anos. E ‘vô’ Generoso, centro e trinta e seis.
***
Adalberto Lima, "Estrada sem fim..." Título anterior, Estresla que o vento soprou.
— São Jerônimo acudiu-me. Honrou seu nome — Disse Jerônimo.
Doutor Adilson confere o registro na pia batismal. Norberto é seu nome no céu.
— Não aceito purgatório, disse a mulher de Norberto.
— Direto pro céu? Isso é que é ter fé. Com que nome entraste aqui? Quis saber Norberto, que é o mesmo Adilson, que é o mesmo Dílson...
Edna fez-se de não entendida.
— Tem visto Dilsinho por aí?
— Está brincando com os irmãos.
— Brincando? Ele já tem Neto.
— Aterrissa, Menina. Estamos no ano de mil e novecentos e tempos atrás. Nossos filhos ainda são pequenos. Olha o dinamismo do Dilsinho. Aquele menino vai longe, logo o nome da família constará da história e memória de Montes Claros.
— Desde pequeno ele foi assim, decidido. Não há distância que seu braço não alcance. E quando toma uma decisão... Até ameaçou processar Generoso, se este declinasse o verdadeiro nome de seus personagens no livro que o poeta e fazendeiro escreveu com a caneta na mão da neta.
— Edna, psicografia é uma farsa. No céu tudo é verdade. A mentira não prevalece.
— Não é psicografia, Dílson.
— Ora, se Generoso depois de passar para o outro lado da vida, escreveu com a pena na mão da neta, não é psicografia?
— Ô, meu Cheiro! Tudo estava escrito. A menina apenas organizou a obra. Acrescentou alguma coisa que só era conhecida na oralidade. Generoso é a própria história de Juramento.
Robert pega o pequeno livro da mão do anjo que está sobre o mar e escreve ali ao lado do nome de Ravenala Palmeira, “Devota de Nossa Senhora do Rosário.”
— Quem é esta? Não conheço a história dela! Não acrescentes nada, sem prévia averiguação — disse São Miguel Arcanjo.
— Já estava escrito: ‘Esta menina será frondosa como uma palmeira, e quando soprar o vento Norte, navegará os sete mares e será muito aplaudida. O som de seu trompete é um acalanto para a alma de quem dela se aproxima, e toda a Terra conhecerá seus feitos.’
— Que fez ela para merecer o céu?
— Acalmou almas aflitas com o som de seu trompete.
—Minutos atrás tinha dois maridos — Protestou o Anjo da Morte.
— Preciso consultar o Mestre — disse o outro anjo deixando sua balança no balcão de atendimento.
— Mestre eis mais um pedido de averbação.
— Ela não está limpa, vociferou o Anjo Negro.
— Esta é aquela que estava sendo levada, à zona de prostituição.
— A contragosto — disse suavemente o Bom Pastor.
Novamente, o acusador ergueu a voz:
— É culpada por pecado grave.
Levanta-se a Defensora dos Aflitos.
— Meu filho, esta alma, recorreu a meu auxílio. E muita rosa me enviou sob a forma de oração.
O Bom Pastor pôs o polegar direito sobre uma gota de sangue que escorria de sua testa, selou a averbação com o símbolo real, confirmando o que dissera a Ravenala quando a resgatou da sombra morte, na Vila Mimosa: ‘Filha, vou te levar à casa do Pai.’
Robert afastou-se levando consigo o livro para colocar na mão do anjo que fica sobre o mar. A anotação fora averbada à margem do Batismo com os dizeres: “Devota da Rainha do Santo Rosário.”
Cenas de memórias passadas retomam a mente. Robert vê pássaros nicando frutos na velha mangueira da casa de Corina. Eram suas lembranças da infância na Tijuca. A velha mangueira sobreviveu ao tempo e à solidão. Nova geração de maracanãs faz algazarra. E duas meninas recolhem mangas maduras em um cesto.
— Sonho ou fantasia? Afinal, o que é realidade? O que é fantasia? É possível entrar sonhos de outra pessoa? “Talvez, futuramente, sim. Mas, enquanto a teoria não estabelecer seu domínio na praticidade, o controle voluntário sobre os neurônios temporal humano não passará de conjectura.” Haja vista, que Ravenala nunca fora a Campo Grande. Sua mãe mudara-se de Minas Gerais, ainda nos cueiros, mas, memórias passadas, trazem-lhe à lembrança as grandes enchentes do rio Saracura. Essas imagens, mais tarde transferidas por Corina para o córrego Maracanã, invadiram o inconsciente da neta, e por iniciativa involuntária dela, essas imagens navegavam em seus sonhos.
— Vi este lugar antes, disse ao pai, na primeira vez que estivera na Quinta da Boa Vista.
— Minha filha! Nunca vieste aqui! Também ainda não foste a Campo Grande, mas, um dia irás conhecer a primeira morada de teus ancestrais e verás que muita coisa vai parecer-te familiar.
Quando o pai lhe dissera isso, ela ainda era pequena e não compreendeu. Mas criança não questiona o inquestionável. Simplesmente, deu uma mordida no algodão-doce e pediu água de beber. É certo que a palavra é capaz de transformar sonho em realidade, e ficção em verdade absoluta. Se viajarmos no fantástico mundo da imaginação, torna-se possível penetrar o insondável. Tudo depende da tinta com que se pinta a aquarela da vida. O bom orador transforma palavras em imagens; e o sonhador, fantasias em realidade.
— Em teu passado, nada podes mudar, mas podes reescrever os próximos capítulos da história, submetendo-a à experiência dos erros cometidos.
Fechou o arquivo de suas lembranças e questionou: “ Como o tempo voa!... Se o pai fosse vivo estaria com cem anos. E ‘vô’ Generoso, centro e trinta e seis.
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Adalberto Lima, "Estrada sem fim..." Título anterior, Estresla que o vento soprou.