A RESSURREIÇÃO CONFRONTA O DILEMA SAKESPEAREANO

Pode-se entender que o dilema shakespeareano “ser ou não ser” ficou por conta da segunda opção. O “não ser” vence na dilaceração da vida. Aplica-se o silêncio fatal. É como sugere Hamlet ao morrer: “O resto é silêncio”.

Cristo, contudo, opta pelo “ser”. O que, imaginou-se, ficaria abafado num silêncio tétrico, rompeu-se num cântico de exaltação à vida que nos capacita a entender que hoje não precisamos mais optar pelos aspectos objetais de destruição. O grito de horror da morte que culmina o silêncio fatal, e o claustro que impedia a articulação linguística na opção pela liberdade foram vencidos pelo poder divino que fez opção pelo “ser” e desarticulou o poder do “não ser” elaborando e Transformando o coro da proclamação evangélica: O Cristo estava ressuscitado. Aquele que fora levado como cordeiro mudo para o matadouro, mostrou que o silêncio fala mais alto no seu desfecho.

Sim, o silêncio sempre falará mais alto. Falará na expressão facial, no comportamento do olhar, no franzir da testa, no morder dos lábios, no movimento corpóreo e em tantas outras expressões não verbais transmissoras de verdades subjetivas, e do descortinar da alma. Jesus Cristo, desde os momentos da agonia para sua morte até o último instante em que rendeu o espírito, pronunciou poucas palavras. Ele teve o seu momento de pianíssimo, no qual pronunciou o maior discurso jamais ouvido. É uma verdadeira homilia sobre a angústia da alma humana, humildade, submissão a Deus, perdão e salvação. Ali Ele provou que a demonstração de amor, de fato e de verdade, não precisa de rebuscados de palavras, tumulto nem barulho, porém de atos.

Quando Cristo aparece após a ressurreição, não perdeu tempo em discutir os fundamentos teológicos do ato divino que o fez encarnar humildemente, e agora, ser exaltado redivivo. Ele simplesmente interrompe o silêncio com palavras de encorajamento e convite à fé. Quem é reflexivo não perde tempo com evasivas. Afinal durante toda sua vida terrena seus atos falaram mais do que palavras. E, como vislumbrou o profeta Isaias, “dEle não fizemos caso”.

Todas essas experiências são um suave discurso, fácil e gostoso de ouvir, porque não dói no ouvido. Pode até perturbar a alma no conflito do convite à reflexão para uma mudança, uma metanóia, não apenas um retorno a um ponto qualquer da queda, mas mudança que leva a se tomar direção certa. Portanto uma oração – uma fala que produz ação, um sopro que se transforma em atitude.

Nesse contexto tão complexo em que os humanos vivem: de desentendimento, desrespeito à individualidade, opção pelo individualismo, egoísmo, descarte e desvalorização da vida, e, se não bastasse, a religião bem como as igrejas assumindo um papel ridículo de legalismo sectário, o grito pela liberdade do ser ainda ecoa. É preciso ouvir. Em algum lugar alguém está a clamar, ainda que em silêncio, já que palavras não adiantam, ou foram sufocadas pela hegemonia dos “poderosos”. É preciso dizer que o ser continua tendo o seu espaço garantido, pois a morte foi vencida pela vida.