SANTO EXPEDITO
Saio para bater perna e um amigo me convida para irmos, nós e respectivas esposas, assistir a uma missa na cidade de Santo Expedito.
Como minha senhora?
Não sabia que existe uma cidade com o nome do santo?
Pois é, eu também não !
Volto pra casa e convido minha mulher: "vamos assistir a uma missa na cidade de Santo Expedito".
Minha mulher também desconhecia que há uma cidade com esse nome.
E bem perto de Araçatuba.
Pouco sei dizer do santo.
"É o santo da intervenção divina urgente." - minha mulher explica.
Acho que religião é uma forma de loucura.
Quando a realidade é muito dura, difícil, agressiva, o homem refugia-se no imaginário.
Somos animais que conseguimos, através do pensamento, transcender a matéria.
Preso irremediavelmente ao corpo,
matéria irremediável perene,
o homem é capaz de fugir para um mundo que não existe,
imaginário, que passará a existir depois de criado por ele,
e que pode ser modificado ao próprio gosto.
A cidade de Santo Expedito não deve ter mais do que mil habitantes.
Um cidade de primeira; se engatar a segunda você sai dela.
Pois havia lá de romeiros pagando graças, acho que mais de dez mil pessoas.
Missa campal, em frente à igreja, porque dentro não caberiam todos.
A missa é assistida em pé, no sol a pino.
Num altar, armado na carroceria de um caminhão, o padre reza a missa acompanhado coral e violeiros; aliás, muito bons.
Um homem canta o salmo trinta e três lindamente musicado.
Em volta o povo, gente simples, pobre e boa,
Sinto-me bem.
No entanto, em torno da multidão vendem-se de tudo: cuecas, meias, brinquedos, eletrônicos, badulaques , etc.
A menos de dez metros do altar do santo o chope gelado é oferecido por três reais e cinqüenta centavos o copo plástico.
No espaço que há entre nós e o altar, vendedores passam oferecendo balões a gás de Minies, Mickeys, golfinhos, Plutos, Frozens, tudo colorido: rosa, azul e prateado.
É a crise batendo no altar de deus.
Fazemos as oferendas e oferecem-nos a comunhão.
Eu peço pela saúde da minha família.
Peço de coração;
e gritaria alto,
sem constrangimento.
Duas "periguetes", com calças justas e botas de cano longos me tiram a concentração.
Creio que o santo é tolerante.
Um garoto enrosca um dragão de isopor verde por entre as minhas pernas.
A mãe ralha e dá-lhe um cascudo.
A fumaça do churrasquinho de fraldinha envolve a todos;
eu prometo comer pelo menos um.
O sermão, do qual já perdi o fio da meada,
fala de amor, fé, devoção,
da fragilidade do homem frente ao mundo,
e todo cheiro, imagem, desconforto, misturados faz sentido para mim.
No término do canto da comunhão o padre faz pausa
e um desfile caipira, carros de bois, boiadeiros,
montarias de todo tipo,
recebem a benção.
Os animais defecam;
o cheiro de estrume mistura-se ao aroma da feira.
Cheiro da vida.
De quintais.
De gente comum.
"Ulisses" de Joyce, que no anonimato combatem
as terríveis realidades humanas.
A cerimônia é longa.
O calor é forte.
Cada líder da comitiva das fazendas e sítios
posicionam-se em frente ao altar
com mastros e bandeiras.
Ao pararem, em respeito, curvam os mastros.
O padre anuncia a comitiva,
Faz uma oração e pede palmas.
Em prosseguimento ordena:
"Levantem o pau !"".
Sofrimento, humor, desespero, esperança, o real e o imaginário se misturam nessa fé irracional.
"O sofrimento passa. Mas a fé em Deus nunca passará", afirma o padre.
O anunciado ameniza o coração e todos respondem:
"Amém !"
"Santo Expedito, saúde aos doentes,
perdão aos pecadores.
Rogai por nós."
Não sou um exemplo cristão,
mas sou muito grato ao Santo Expedito,
que deve conhecer-me melhor do que eu conheço a ele;
e aconteça o que tiver de acontecer,
ele estará ao meu lado.
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Sajob – setembro / 2017
Obrigado pela leitura.