A SEMANA SANTA E A PÁSCOA - Pequena Reflexão Ofereço a Eunice Arruda, uma das grandes poetas (nossa contemporânea) da literatura brasileira de todos os tempos
 
 

 
        Sejamos nós cristãos católicos, ortodoxos, evangélicos... judeus, islâmicos, budistas, hinduístas, agnósticos, ateus... curvemo-nos todos diante do Mistério, ou da possibilidade do Mistério: o Deus-homem vem ao Mundo e se dá ao Sacrifício, ao Sacro-Ofício, morre em seu corpo de carne como o nosso e ressuscita neste mesmo corpo, para nos dar o Testemunho da Imortalidade.
        Lembremo-nos do verso imortal de Fernando Pessoa: "O Mito é o nada que é tudo" e, seja qual for a nossa crença ou o tamanho da nossa descrença, coloquemo-nos todos juntos, em comunhão neste momento de irrupção do Tempo Sagrado no interior do tempo profano. Deixemo-nos tocar, deixemo-nos impregnar. Se a nossa descrença já impregnou todas as coisas, se nos sentimos impermeáveis a toda e a qualquer Revelação, a qualquer Utopia de cunho sagrado ou humano, ainda assim suspendamos nossos juízos por um instante, para comungarmos a Grandeza anunciada nestes dias, a da morte e a da ressurreição do homem-Deus.
        Incontáveis de nós estamos morrendo nas guerras, nas guerrilhas, nas emboscadas urbanas, nas emboscadas dentro dos próprios lares; incontáveis de nós estamos morrendo em cidades e nos campos devastados pela fome e pelas doenças;  incontáveis de nós estamos morrendo de inanição emocional, em castelos de demasiado precárias muralhas; incontáveis de nós estamos morrendo órfãos de nós mesmos, reféns da terrível solidão de não mais nos reconhecermos nos pensamentos e nos atos de cada dia. Há infinitos modos de morrer, de se matar e de matar e a nossa morada, a Terra, está infestada por eles.
        Por um instante que seja, sintamo-nos Um Só, unidos através da miséria e da riqueza da nossa condição de seres humanos que seguem carregando a certeza ou a nostalgia do Deus dentro, ao redor e além de toda a nossa infinita pequenez. Sintamo-nos Um, com toda a nossa Esperança tornada ato, nossa Esperança impossível de ser extirpada, semente bendita para sempre, semente sempre-viva replantada, desde todo o Sempre, apesar da legião de mortos no mundo e das injustiças de toda espécie, que vêm se perpetuando ao longo dos milênios.
 
 
 
         Nota. Texto publicado, pela primeira vez, em 2008.